Todo mundo tem um refúgio a que
costuma recorrer para aliviar o peso dos problemas.
Na farmácia não se encontra produto
descrito como "paz em drágeas" ou "xarope de paz". Mas muita
gente acha que é isso o que deveria dizer o rótulo do Rivotril. Ele é
prescrito por psiquiatras a pacientes em crise de ansiedade - nos casos em que
o sofrimento tenha causa bem definida. Mas tem sido usado pelos brasileiros
como elixir contra as pressões banais do dia a dia: insônia, problemas, conflitos
em relacionamentos. Um arqui-inimigo dos dilemas do mundo moderno.
Tanto que o Brasil é o maior
consumidor do mundo em volume de clonazepam, o princípio ativo do remédio. É o 2º remédio mais vendido no país, só perde para o
Microvlar, anticoncepcional com consumo atrelado à distribuição pelo governo
via Sistema Único de Saúde (SUS).
E olhe que o Rivotril é um remédio
tarja preta. Só pode ser comprado na farmácia com a receita do médico em mãos. A
maior parte das vendas desse medicamento acontece via prescrição. Mas muitos
conseguem o remédio com receita em nome de outros pacientes.
Ginecologistas costumam prescrever Rivotril
para pacientes que sofrem fortes crises de TPM.. Até porque poucos brasileiros
vão ao psiquiatra, de acordo com a Roche, laboratório responsável pelo
Rivotril. "Grande parte dos brasileiros tem dificuldade de acesso a
psiquiatras, e isso está relacionado à prescrição do Rivotril por médicos não
especialistas", afirma Maurício Lima, diretor-médico da Roche.
O remédio tem sido usado até para
cortar o efeito de outras drogas, segundo o psiquiatra André Gustavo Silva
Costa, especialista em tratamento de dependentes químicos. "Jovens têm
tomado o Rivotril para cortar o efeito de drogas como cocaína. Eles querem
dormir bem para conseguir trabalhar no dia seguinte", diz.
O que é que o Rivotril tem?
Mas que mágica é essa? Quando somos
pressionados, algumas áreas do cérebro passam a trabalhar mais. Vem a
ansiedade. O Rivotril age estimulando justamente os mecanismos que equilibram
esse estado de tensão - inibindo o que estava funcionando demais. A pessoa
passa a responder menos aos estímulos externos. Fica tranquila.
É essa sensação de paz que atrai tanta gente.
Afinal, a ansiedade traz muito incômodo: suor, calafrios, insônia,
taquicardia... "Muitas vezes o sofrimento se torna insuportável.
Justamente por trazer essa calma
toda, o Rivotril não é recomendado a qualquer um. Seu consumo por profissionais
que têm de se manter ágeis e em estado de alerta - como pilotos de avião e
operadores de máquinas, por exemplo - é desaconselhado por médicos. "O
Rivotril dá a falsa impressão de que a pessoa produz mais, mas a verdade é que
o remédio só deixa mais calmo", diz José Carlos Galduroz, psiquiatra da
Unifesp.
Não é só com o Rivotril que isso
acontece. Os calmantes da família dele - os chamados benzodiazepínicos - têm o
mesmo papel. São remédios como Lexotan, Diazepam e Lorax.
É verdade, o Rivotril tem berço, vem
de uma família benquista pelos médicos. Isso já garante uma popularidade. Mas
ele tem uma vantagem extra em relação aos parentes. Seu tempo de ação é de, em
média, 18 horas no organismo, entre o início do relaxamento, o pico do efeito e
a saída do corpo. É o que os médicos chamam de meia-vida. "A meia-vida do
Rivotril é uma das mais confortáveis para o paciente, porque fica no meio-termo
em relação aos outros remédios para a ansiedade e facilita a adaptação",
diz Saadeh. Na prática, esse meio-termo significa que o efeito do Rivotril não
termina nem cedo demais - o que poderia fazer o paciente acordar de uma noite
de sono já ansioso - nem tarde demais - o que não prolonga a sedação por um
período maior que o desejado.
Tudo isso faz o pessoal se esquecer
da tarja preta do remédio. Mas ela está lá por um motivo, é claro. E esse
motivo é o risco de dependência.
O risco é o mesmo visto em outros
benzodiazepínicos. São dois, aliás. O de dependência química e o de dependência
psicológica. Na química, o processo é parecido com o gerado por drogas como
álcool e cocaína. O uso prolongado torna o cérebro dependente daquela
substância para funcionar corretamente. A outra dependência é a psicológica. A
pessoa até para de tomar o remédio, mas mantém uma caixa sempre no bolso como
precaução. "Cerca de 80% das pessoas que usam benzodiazepínicos ficam
dependentes em 2 ou 3 meses de uso", diz Anthony Wong, diretor do Centro
de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas, de São Paulo. "E a
maioria tem síndrome de abstinência se o remédio for tirado de uma hora para
outra."
Em casos mais graves, a abstinência
pode levar o paciente a uma internação. A pessoa pode ver, ouvir e sentir
coisas que não existem, apresentar delírios, agitação, depressão, apatia, entre
outros sintomas. E para cortar a dependência? "O paciente precisa querer
parar. Há drogas que tratam os sintomas da abstinência em no máximo 4
semanas", afirma Carlo Hubner, da PUC. Livrar-se do Rivotril é duro porque
é preciso enfrentar todos os fantasmas de que o paciente queria se livrar
quando buscou o remédio. Afinal, o remédio só esconde os problemas. Eles
continuarão lá, à espera de solução. O verdadeiro adeus é o momento em que se
aprende a lidar com a ansiedade. Sozinho.
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