A DONA DO VALE-DO-GIRASSOL! – Renato Lobo

 Se eu frequentava a casa dela? Não. Muito pouco! Duas ou três vezes. Na última, Gabriel era pequeno e pescou uma tilápia. Óbvio que precisei devolvê-la às águas primordiais com promessas e garantias inerentes de que ela sobreviveria ao trauma, sem nenhum trauma.

Se a conhecia de perto? Não tanto! Conheci bem mais a Dôla e a Tia Rosa, esta última, sim, com desvelos maternos e carinho filial.

Se conversei com ela? Algumas vezes! E de um tudo: física quântica, o degelo da calota polar, a arte cabalística do Renascimento, as fontes de energia renováveis do planeta, o Aquífero Guarani, as novas descobertas das neurociências... assim... coisas do dia-a-dia... assuntos triviais, a toda hora ventilados no Mercado Municipal. Claro, que com pitadas de humor, deliciosamente, irônicas, na medida certa, como todo bom tempero.

Por que estou escrevendo sobre ela? Porque a Góia era um raro exemplar de ser humano interessante. Não há muitos humanos interessantes. Cada vez menos! De tempos pra cá, o homem-rés-do-chão tem perdido a interessência – parte essencial da sua essência – e se tornado mais óbvio que desfile de escola-de-samba. (Passa pena de avestruz, passa gente pelada, passa mais pena, mais gente pelada e mais pena... Só isso!)

A Góia, não! Ela era interessante! O olhar vivaz com que captava o mundo denunciava um interesse permanente que ela nutria por tudo. Se você quer ser interessante, interesse-se. Ela cumpria os dois papéis. Que bom tê-la conhecido! Ter vivido a satisfação infinita de saber que você nos honrou com sua passagem e que, simplesmente, por ela, tornou muita coisa diferente.

Pois é! Morreu a Dona do Vale-do-Girassol!

Será? Há pessoas que se recusam a morrer. Quem gosta da vida não morre. Hebe Camargo? Claro que não! Ela mesma dizia não ter medo de morrer, ter dó! Góia? Claro que não! As aparências enganam! Espero revê-la em breve, por aí, para discutir algum assunto trivial... a última teoria sobre a idade do planeta... Quem sabe, tecer comentários sobre a influência de Shakespeare na constituição do homem moderno... Quem sabe, trocar uma receita nova de bolo de fubá.

Não! Não morreu a Dona do Vale-do-Girassol!

Vai continuar vibrando – harpa-eólica – na mínima aragem que roçar os copos-de-leite das encostas. Vai continuar teorizando na memória que não passa, porque função de memória é ficar. Vai continuar se reportando, seja ao Grande Espírito Criador de William Blake ou à pequena Senhora da Aparecida. No começo, no meio, no fim, é tudo a mesma realidade infinita da qual não conhecemos nome nem sobrenome, por isso inventamos apelidos.

Não morreu a Dona do Vale-do-Girassol!

Claro que não! E gente desse porte acaso morre? Ara! Pessoas assim são maiores. Já eram maiores que a vida. Que dirá, que a morte!