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10 de novembro de 2011

UMA PARÁBOLA QUE SERVE PRUM PUNHADO DE COISA - Renato Lobo

Numa praia deserta de mar agitado, um pequeno grupo se dedicava a salvar vidas. Sabe, aquela coisa, de gente se afogando e gente correndo pra desafogar? Era assim.

Com o tempo, o grupo cresceu, ficou famoso. É claro! (Preciso lembrar que a fama é sintoma de incompreensão?) Então, como o grupo ficou famoso, mais gente foi chegando pra salvar gente, e quem não podia chegar mandava gente em seu nome, pra salvar gente, e depositava quantias no banco, pra salvar gente, e muita gente doou tudo o que tinha, pra salvar gente, sem falar, quanta gente morreu na praia deserta de mar agitado... só pra salvar gente.

Com o tempo, o grupo ficou mais famoso ainda. Óbvio!

Com o acervo das doações, surgiu a necessidade operante de construir uma sede. Sim, aquela tapera antiga onde eles começaram a abrigar os náufragos já não servia mais. Sim, porque era preciso mostrar resultados mais assertivos, leia-se: proativos. Sim. Então, uma grande sede foi erguida com o nome do Fundador para que a sua memória fosse mantida, já não tanto por causa da estatura dos salvadores, mas, sobretudo, pela estatura da construção. Tijolo é tudo!

E, é claro, o grupo ficou mais famoso ainda. Desculpe-me repetir isso.

Na medida em que o grupo crescia em famosidade, diminuía em operacionalidade. Se me faço entender, o que eu quero dizer é que as pessoas continuavam se afogando muito por ali, porque embora a praia não fosse mais deserta, o mar continuava agitado. O perigo era sempre iminente. O que não era eminente era a deliberada vontade de se atirar às ondas para salvar os náufragos. Se bem me lembro, criou-se até a tese de que os afogados tinham direito a se afogarem pelo simples fato de se terem afogado por livre e espontâneo afogamento. Vê!

E assim e dessa forma a sede crescia e necessitava de braços e mãos para a organização interna e, daí, menos mãos e braços sobravam para a única razão de ser daquilo tudo ali, que era, justamente, aquilo tudo ali: o mar agitado, os afogamentos... Ara, você já sabe!

Contudo, não se canse de perceber que o tempo altera as prioridades. Já não era mais importante o tecido da roupa náutica que os salvadores usavam ao resgatar em alto-mar, mas o tipo de tecido com que se apresentassem nas horas vagas de salvamento. Não se detenha muito na qualidade do perfume que usavam, porque não era a mesma que os náufragos exalavam ao saírem das águas. Não se canse de observar que as pessoas ao redor, fascinadas pela fama do grupo, perdiam de vista o que o grupo também já perdera em capacidade de se encontrar.

É que parecia tão normal que já não se resgatasse náufrago algum, que passou a correr mundo a ideia de que os náufragos já não existiam porque as pessoas haviam aprendido a não se afogar. Impressionante!

Mas o mar continuava agitado. E outras praias continuavam desertas. Só que agora os poucos náufragos resgatados, pingando água e sujeira, só entravam pela porta da frente, só pisavam o tapete da entrada, caso houvesse mídia para apresentar o fato. De resto, entravam pela porta dos fundos. Sujos, né!

Mas o mar continuava agitado, muito agitado.

Incomodado com aquela situação esdrúxula, um pequeno grupo dentro do grupo antigo resolveu colocar as cartas na mesa.

- Não havia sido aquela a intenção do Fundador – disseram.

E apesar da sede carregar nome e estátua e sei-lá-mais-o-quê do Fundador, nalgum momento, havia sido traída a Ideia Fundadora. Desde o princípio, havia vigorado o Conceito Fundador que estabelecia o resgate aos náufragos como a identidade-missão do grupo. De repente...

Lembram que eu falei que a fama é sintoma de incompreensão? Pois é. A fama empurrou a Ideia Fundadora pela enxurrada em algum bueiro. E ela se perdeu. Mas a fama também impediu que o grupo percebesse internamente o que todos já haviam registrado externamente.

Então, aquele pequeno grupo se separou do grupo antigo, desceu praias abaixo, ergueu outra pequena cabana, incorporou trajes de salva-vidas, e mais que traje, a ideia, e começou tudo outra vez.

Mar agitado. Praia deserta. Náufragos. Salvamentos. Intenções genuínas. Gente salva. Doações. Mar agitado. Praia deserta. Náufragos. Salvamentos. Náufragos. Doações. Sede nova. Praia cheia. Tudo de novo. Tudo de novo. Tudo de novo.
(...)
Quem passar por aquelas paragens verá inúmeras sedes institucionais carregadas das melhores intenções de salvar náufragos. O mar continua agitado. Gente continua se afogando. Parece que ninguém mais se dá conta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei, Renato. Abraços!!!

Anônimo disse...

Ótimo Renato.

Faraó.

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