Alguns acontecimentos sempre envolvem antidepressivos em relatos policiais. Alguns deles acionaram minha curiosidade e me fizeram virar do avesso a farmácia do consultório à procura dos supostos álibis. No fim, nada que valesse a pena. Tudo muito vago. Estou para escrever aos laboratórios alertando que incluam entre os efeitos colaterais dos antidepressivos as seguintes cautelosas observações: Este medicamento, mesmo quando combinado a extravagantes doses alcoólicas, não faz ganhar na loteria, não provoca roubo de gravatas, assédios sexuais ou qualquer atentado violento mesclado ou não ao pudor. Fluoxetina, venlafaxina, sertralina, paroxetina, bupropiona ou citalopram, realmente, não são responsáveis por condutas delituosas e ou libidinosas, características ou genéricas, próprias ou impróprias. Decerto que não.
Qualquer que seja o manipulador externo à vontade consciente do indivíduo, ele sempre me levará de volta às aulas de ética do curso de filosofia, e a Jacques Maritain no seu jeito certo de antecipar e revelar o sentido das ações. A OCASIÃO NÃO FAZ O LADRÃO; A OCASIÃO REVELA O LADRÃO. É o que ele dizia. Um pacote de dinheiro derrubado no chão não garante nem significa, automaticamente, um pacote de compras ou de viagens, a menos que isso faça parte do desejo e assim se proceda. Antes de colocar na conta do antidepressivo ou da bebida qualquer transtorno de comportamento, melhor que fosse analisado não só o funcionamento dessas químicas, mas, antes, o do sujeito que segurou o copo antes do trago. A questão não é mecânica. É pessoal. A peça mais perigosa do carro é, quase sempre, a que está sentada atrás do volante.
Longe de mim, qualquer desautorizada avaliação dos efeitos desta ou daquela poção mágica vendida em farmácia. Que bom quando algum químico queima longas horas de vida em busca de algo que minimize a dor! No entanto, um olhar mais atento poderá descobrir o óbvio que se esconde debaixo das suposições. Um medicamento é só um medicamento e um pileque é só um pileque, e nada mais, a menos que sirvam de álibi para intenções que já haviam brotado antes deles entrarem em ação. Até na bula de remédio para disfunção erétil há a inconveniente cláusula das letras pequenas de que tal medicamento só funcionará mediante excitação prévia. Desde o Viagra, que os jovens ingerem com energético afim de um plus sexual, ao antidepressivo, que os menos jovens comem com farinha em busca de um plus vital, o problema não é o que eles supõem, mas o que eles revelam. O que supõem é a necessária condição do desejo humano. O que eles revelam é a absoluta incapacidade do homem em conseguir escolher e, depois, suportar gerenciar suas próprias escolhas.
É de escolhas que se trata.
A moda dos treinamentos de domesticação padrão insiste que um homem feliz faz escolhas certas. Pense bem: não seria o contrário? Não seria por ter feito escolhas certas que ele seria feliz? Não seria esse o mal do momento atual: sustentar escolhas erradas à custa de medicação, pileque ou autogratificações delinquentes? Não seria por isso que as pessoas conduzem cada vez mais comportamentos acéfalos à espera de um responsável por eles? “Ah! Eu fiz isso porque estava tomando medicamento.” Se for assim, melhor o mundo tomar cuidado: tem muita gente se submetendo a algum tipo de medicação.
Será que o culpado é o antidepressivo?
Antes de responder, melhor perguntar o que faz um antidepressivo? Não muita coisa. Ele segura o sujeito da mesma forma como o gesso segura o braço quebrado. Isso é necessário, mas é só isso. Não é de se esperar que o resultado contrário venha a ser tão explosivo. Bata no liquidificador a dose diária do seu antidepressivo com um copo de vodca, adicione novalgina, tome tudo no canudinho e você terá garantida uma dor de cabeça de arrebentar, acompanhada de vômito e com direito à lavagem intestinal. Vai ficar algum tempo sem parar em pé e outro, sem poder ver qualquer um desses ingredientes. Mas será só isso. O que passar disso não pertence a somatória dos efeitos colaterais indesejados do porre alcoólico-medicamentoso. Não. Mas pode bem caber dentro dos desejos incubados do indivíduo.
O culpado não é o antidepressivo.
Passou da hora de resolver problemas removendo problemas. Se as pessoas acabarem narcisistas e perderem a noção dos limites e não suportarem mais não se verem onipotentes, quase, invisíveis à transgressão, então, não haverá mais a quem recorrer. Embora todo narcisista tenha sempre uma “mãe-toda-permissiva” a quem recorrer, é fato que todo narcisista liquidifica as bases firmes em que se apóia transformando-as em cúmplices encobridores da suposta invisibilidade do delito. Dito de outra forma, um narcisista jamais assume. Ele tem quem faça isso por ele. Mas aí é que está o problema. Se as instituições que abrigam essas pessoas se tornarem, também elas, mães permissivas, não conseguirão dar conta de providenciar que os cogumelos tenham vida longa protegidos pela podridão da madeira. Não importa de que tinta ela se cubra para se fingir madeira de lei. Nunca será. Cogumelo só brota em madeira podre.
O culpado não é o antidepressivo nem o antitérmico nem o anti-histamínico nem o antiinflamatório nem o antiviral nem o anticoncepcional nem...
Seria bom se fosse! Seria menos pesado, menos oneroso, menos imputável. Mas não é. O ônus da responsabilidade é o tributo do uso da liberdade, mas é ele quem nos garante que podemos ser livres. Se não houvesse nenhum ônus, tampouco existiria liberdade. Estaríamos todos de volta, ou ainda, no Jardim do Éden da infância. E, cá pra nós, aquilo seria uma chatice sem tamanho. Crescer é sinônimo de assumir. Mas crescer é bom.
E Deus perguntou ao homem: Quem te disse que estavas nu? Foi a mulher. E Deus perguntou à mulher: Quem te deu a maçã? Foi a serpente. E Deus perguntou à serpente: E quem te mandou assediar o casal? Foi o antidepressivo.
Se fosse assim, a história seria outra.
Fonte: http://www.perfilmulher.com.br/cronica.htm
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