Se havia
nesse mundo coisa mais bonita de se ver era a entabulação de conversa entre
Tião da Água e papai. Ah, meu Deus, aquilo, sim, valia a pena! Nunca mais
encontrei entendimento maior. Horas. Horas! Ficavam ali no alpendre (já disse
que Minas tem alpendre!), papai do lado de dentro, Tião do lado de fora, e o
resto do mundo sem a menor noção do que se ia ali nem menor possibilidade de
fazer parte daquela assembléia unificada de dois.
Aquilo era
de uma beleza sem quantia!
Eram sons,
gestos, expressões faciais, trejeitos da boca, palavras que não saíam, palavras
remendadas... Como numa colcha de retalhos de harmoniosa cacofonia, tudo o que
existe no repertório da comunicação humana cabia ali, na conversa de alpendre,
entre dois seres tão diferentes e tão absolutamente iguais. É essa igualdade
universal dos seres que subsiste e insiste sob a crosta invisível das relações.
É essa solene igualdade universal dos seres que, vez ou outra, nos salva de nós
mesmos.
Valia tudo
e, no entanto, havia lei. Quando um falava, o outro escutava. E se o outro
escutava, o um também escutava. E, contudo, falavam. Falavam, escutando. Ali,
falava-se sem palavras, escutava-se o que não tem som, entendia-se o que não
tem voz. Pra que voz? A linguagem que interagia naqueles dois, debruçados num
alpendre de Minas, era maior, mais possante e verdadeira que qualquer palavra,
som ou voz.
Aquilo era
mesmo de uma beleza sem quantia! Só quem viu! Só quem viu...
Um dia,
papai relatou o que Tião lhe havia contado. Sei lá se é verdade. Vendo pelo
preço que comprei. Aliás, dou. Afinal, pra que a verdade? E o que é a verdade?
(Pilatos que o diga e, se puder, explique!)
Foi assim.
Edésio e Tião da Água se encontraram.
- Utê é
turdo! – disse Tião pro Edésio.
- Sô surdo
não! – replicou Edésio.
- É tim! –
treplicou Tião.
E ficaram
naquela, numa arenga sem fim.
Daí,
decidiu-se pela prova dos nove. Logo achada uma porta, Tião mandou que Edésio
se escondesse atrás dela. (Captou a idéia?) A prova dos nove era que um ia se
esconder, o outro ia falar, e o escondido, recém saído do esconderijo, teria de
provar que escutou contando o quê. Que nem criança.
Edésio
escondeu-se.
Deu-se o
tempo. Edésio saiu. Tião perguntou:
- Cutou?
- Cutei,
cutei... – respondeu Edésio...
- Cutou
nada, eu não falei!
Fala a
verdade! Isso não é de uma beleza sem quantia?
7 comentários:
Uma beleza sem quantia!
Maravilha sua memória,sua forma de expressar, que nos leva no tempo! Fantástico! Saudades de Brasópolis,de nossa época!
Fátima da Teresa Moraes
Fátima da Teresa Morais do Joaquim do Clube! É verdade, que saudade daquela Brazópolis da nossa época! Obrigado. - Renato Lôbo
Realmente minha querida amiga Fátima, é tão gostoso ler algo assim que nos remete ao passado e nos traz inúmeras lembranças dos momentos agradáveis que passamos em Brazópolis.
Rubinho
Realmente minha querida amiga Fátima, é tão gostoso ler algo assim que nos remete ao passado e nos traz inúmeras lembranças dos momentos agradáveis que passamos em Brazópolis.
Rubinho
Rubinho, que surpresa ! Um abraço enorme!
Fátima da Teresa Moraes
Renato, que lembranças fantásticas. Parece estar vendo o colóquio dos dois,Tião da Àgua ainda está entre nós, mas o Edésio já se foi. Um grande abraço.
Renato boa lembraça, mas acho que esta conversa foi com o irmão dele o Ted na alfaiataria do Raimundo Irmão do Japão em frente a sapataria da Neuza Vichi.Mas isto é verdade sim, CUTOU ?
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