DO
FUNDO DA ALMA subiu um clamor ao Pai. Ele descera até águas profundas e se
afogou cercado de sombras. Nessa hora, a mão do Pai, que parecia ausente, põe-se
a se manifestar. “Das profundezas minha
alma clama a ti. Deus meu, ouve o meu grito!”.
Só
depois. Só depois!
Não
era possível que a morte ocupasse o centro daquela vida. Não seria possível que
o vazio ocupasse o centro daquela existência.
Só
depois. Só depois!
Arimateia
e Nicodemos sequer desconfiam que a dor e o amor já se abraçam como a noite e a
aurora. E a redenção estende os ramos até onde houver alguém a ser redimido.
Eles ainda não sabem que já chegou a hora de encaminhar a humanidade inteira
para o lar desconhecido, libertar os pés cansados das correntes e por em movimento
um amor que nem possui nem é possuído.
Mas
depois. Só depois!
Ele
arrastou consigo a miséria do mundo para o nada em que se viu convertido.
Enfim, ele se encontra nas mãos do Pai. Nas mesmas mãos, o ódio e o sangue
vertido. Tudo se encontra nas mãos do Pai. Ele próprio repousa na mão do Pai.
Mas
depois. Só depois!
É
preciso esperar. Sempre será preciso esperar. Nada é tão fácil!
Tudo
se consumou. Haverá um terceiro dia?
Pelas
rotas escuras da noite avança a aurora. Das entranhas da morte brota e cresce,
ereta como o cipreste, a árvore da ressurreição. A mão do Pai já está se
manifestando.
-
Morte, dou-te a primeira palavra, mas não terás nenhuma outra. Jamais a palavra
final.
Ainda
é preciso esperar. Sempre será preciso esperar?
“O Senhor é o pastor
que me conduz, nada me falta. Passarei os mais negros abismos, sem temer mal
nenhum”.
Aconteceu,
então, naquela tarde, a consciência de quem ele era e da batalha que havia sido
travada extramuros de Jerusalém. Aquele dia havia sido escuro. Contra todos os
espelhismos das sensações, a certeza se ergueu no centro de sua alma, como uma
lâmina de espada, reta e brilhante. Agora, eu sei que estás aqui comigo, Pai.
Agora eu sei. “Em tuas mãos me entrego”.
Acontece
para cada um, mais dia menos dia, a chance única da confiança de saber que a
grande homenagem, a mais pura a ser prestada a Deus é a de aceitar, todo dia e
a cada instante, não poder ver sequer um palmo diante dos olhos, e assim mesmo
prosseguir.
Que
rumo tomará minha vida? Não sei nem me importo. O Pai sabe. Isso importa.
Quando
a noite estava tão escura, tão sem um ponto de luz, tão noite, cheguei a me
angustiar, apesar do amor que sempre tive à noite. Foi quando ela me segredou:
-
Quanto mais noite for a noite, mais bela costuma ser a aurora que ela carrega
no seio!
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