CARTA DO JOÃO SEM TERRA –José Eustáquio Cardoso

Tanta terra nesta terra,

E eu não tenho onde cuspir...

Ao contrário, sou cuspido

De onde quer que ponha os pés.

Tanta roça verdejante,

E eu não tenho o que comer...

Ao contrário, sou comido

Com o sal do meu suor.

Não posso encher a barriga

Barriguda do meu filho,

Só sirvo pra encher barriga

De uma urna em tempo de eleição.

Eleição que me disseram

Ser para melhorar a vida:

A vida deles, decerto,

Porque a minha, qual o quê!...

Me disseram que esta terra

Era para ser dividida:

Divisão das mais exatas:

Para mim não sobrou resto.

Tem um cantor que cantou

Que a cova rasa em que um dia,

Depois de tanta agonia,

 Vou ser, enfim, atirado

Era essa terra que em vida

Eu tanto quis dividida.

Enganou-se esse cantor,

Pois nem ao preço da vida

Um dia eu terei terra:

A terra é que me terá.