Há quase dez anos, quase todas as semanas, pego a estrada que me leva de Pouso Alegre a São Paulo, e me traz de volta a Pouso Alegre. Quando criança ficava entediada com as longas horas de viagem que a gente fazia entre Belo Horizonte e Brasópolis. As estratégias eram muitas: a cada carro vermelho que passava na pista contrária, eu fazia um ponto, a cada azul, meu irmão pontuava. Valia também a brincadeira de ir para a lua e adivinhar o que podia levar. Ou ainda cantar a sequência inteira, repetidas vezes, da velha que estava a fiar e veio a mosca lhe perturbar.
Ontem ganhei do meu pai um aparelho de som para instalar no carro. Agora minhas viagens não serão tão solitárias. Minhas estratégias são outras daquelas de quando era criança: invento histórias, me emociono com perdas, discuto relações com amigos de modo profundo. Me encanto quando percebo uma paisagem que não tinha notado antes: no caminho de volta de São Paulo a Pouso Alegre, assim que passa Bragança Paulista, há uma descida longa depois de um viaduto e quando se olha para a direita é possível avistar um lago enorme, enorme. Faz uns dois anos que percebi isso. Certamente abriram um clarão, derrubaram árvores. Não é possível que em mais de cinco anos passando por ali todas as semanas eu não tenha percebido tamanha grandiosidade. Prefiro achar mesmo que algo mudou na paisagem. Fico contando as curvas para chegar nesse trecho e por uns 5 segundos avistar o lago enorme, enorme.
A Fernão Dias é a estrada do trabalho: ela me leva para estudar, para trabalhar, e me traz de volta para casa. Mas a estrada que gosto mesmo é a que me leva para Brasópolis. São apenas 70 quilômetros, que dirijo no mais puro gozo. Lembro que quando a estrada ainda era muito ruim, vi uma propaganda do governo dizendo que a transformaria de queijo suíço em queijo minas. De fato aconteceu. A estrada é um tapete e a vista que a acompanha é mais bela que a dos Alpes. O ponto mais importante da estrada, no entanto, é o cruzamento em Piranguinho: ali tenho que escolher continuar e ir para Itajubá, Piquete, Lorena, Rio de Janeiro, ou virar à direita, andar mais 16 quilômetros e chegar até Brasópolis.
Nascida em Beagá, crescida em Pouso Alegre, feita moça em São Paulo, é para Brasópolis que volto quando quero me sentir em casa. Apesar de não ter amigos na cidade, são aquelas janelas olhando todas para a rodovia, é o sino da igreja da praça, é a entrada que dá para o Vale do Girassol que me faz lembrar quem eu sou ou ainda tenho esperanças de ser. A caminho de Brasópolis avisto uma placa que indica que ainda faltam nove quilômetros. Poderiam ser nove eternidades. E eu estaria sempre me dirigindo para Brasópolis, banhada pelo amarelo que inunda o entardecer e colore aquelas montanhas. São esses nove quilômetros que enchem meus olhos e me dão coragem para todas as semanas voltar para a Fernão Dias e continuar vivendo no caminho entre Pouso Alegre e São Paulo.
Conheçam o blog da Adriana: http://pequenaflordelaranjeira.wordpress.com
4 comentários:
Esse lago é o Vale das Águas, procure no google mapas que vc verá que é imenso.
É uma pena que muitos dos brazopolenses não valorizam o que tem. Temos realmente uma paisagem maravilhosa ao nosso redor.
É muito triste ver a nossa cidade tão maltratada...
Gostei muito...
Você é fera em Adriana!? Escreve de uma maneira incrível. E aquele último texto que você leu na festa de aniversário do seu avô. Você caprichou na homenagem a ele e a todos nós. Publica também. Estes tesouros devem ser colocados bem no alto para que todos vejam e se deliciem. Um abraço, Bel.
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