Ele pressente e se apavora. Agoniza. Não quisestes nem oblações nem holocaustos, mas me destes um corpo... Então, eu disse: Eis me aqui... Vim fazer tua vontade (Hb 10,5). Veias se rompem sobre o tecido da pele, o sangue pinga, chega ao chão (Lc 22,44). Se possível, afasta de mim esse cálice... Mas não seja feito com eu quero, mas como tu queres (Mt 26,39). Os amigos dormem. Ninguém vela. Ele está só, extremamente só, desastroso e só. Contai-nos, velhas oliveiras, o que vistes naquela noite. Contai-nos o que ouvistes. Mas as oliveiras se calam. Não houve ninguém para ouvir, ninguém para contar. Todos dormiam.
Naquela mesma noite, o sinédrio o condenou à morte. Segundo a Lei judaica, todo condenado à morte perdia a categoria de pessoa humana. Nem mais homem era. Era uma coisa qualquer. Uma coisa. Tudo o que se perpetrou contra ele, naquela noite de horror, foram, portanto, atos legais. Ele era apenas uma coisa. Ninguém. Em algum porão de tortura, o que sobrou dele estarreceu até mesmo um tosco Pilatos. Sou um verme, um nada, riso e desprezo do povo (Sl 22,7).
Na manhã seguinte, Pilatos quer intervir, mas o máximo que consegue não é mais que nada. Eis o homem... (Jo 19,5). Arregimentados pelos sacerdotes e líderes, a massa dos servidores públicos do Templo reza pela cartilha do poder. Crucifica-o... Se não havia mais o que fazer, Pilatos, simplesmente, não fez. Impressionado com a majestosa serenidade do outro, passou à História como um indeciso negligente, que poderia ter feito tudo... e lavou as mãos.
Como resta o sutil sentimento de que ter estado lá, quem sabe por cumplicidade ou culpa, repete-se o nome dele todo domingo: Padeceu sob Pôncio Pilatos. Nome, sobrenome e RG. Pra não deixar dúvida.
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