O TRISTE DESTINO DA “PRIMEIRA
MISSA NO BRASIL”
A
CAVERNA.
Naquela bela
manhã de abril, o garoto procurava pelo vasto quintal de sua residência , algo
que pudesse ajudá-lo a completar a caverna que construía no seu mundo de
aventuras. Abrira ele, ajudado pelos seus companheiros de folguedos, um grande
buraco no terreiro, a fim de transformá-lo no esconderijo contra os “bandidos”.Com a vala já cavada, faltava uma madeira ou mesmo um pedaço de papelão para cobri-a servindo de telhado da
caverna. Depois de rodar debalde todo o quintal o menino lembrou-se do velho porão da casa. Passou por uma arcada estreita,
sob a grande escada externa que dava para a cozinha. Lá nos fundos deparou com a
porta que dava acesso ao salão principal
onde sabia ter muita quinquilharia guardada
ao abandono. A porta estava fechada, mas com um esforço ele conseguiu abri-la.
Tudo estava escuro, procurou um interruptor que ficava ali na parede, bem ao
seu alcance.A lâmpada , bastante empoeirada emitia uma fraca luminosidade, era só de 40
velas, mas revelava as muitas teias de aranhas espalhadas pelas paredes. O
menino fez logo uma vistoria pelo cômodo a procura do que lhe interessava, mas
nada encontrou que pudesse atendê-lo. Súbito, vindo de uma pequena clarabóia
existente no alto da parede , uma
réstia de luz do sol da manhã, feriu os
olhinhos do menino que instintivamente os fechara. Logo que pode abri-los deparou
com um quadro dependurado num canto, de 1 metro x 50 cms mais ou menos , preso à sua
moldura prestes a se soltar , estampando uma tela que retratava uma cena
bastante curiosa ._“Ah!, gritou ele, isso vai servir de “telhado!”_Mas,
reparando com mais atenção no quadro viu, espantado, muitas figuras curiosas e
estranhas como soldados com roupas bem
antigas e empunhando uma espécie de espingarda, marinheiros,padres e muitos índios
com seus arcos e flechas e vestindo tangas e cocares, já as índias, também de tangas ou
completamente peladas, acomodando-se nos
galhos das árvores, algumas com seus filhinhos no colo. O garoto estava absorto
naquela contemplação, para ele muito esquisita, quando foi despertado pelos
gritos de seus companheiros. Voltando à
realidade, conseguiu com um puxão arrancar o quadro da parede e o foi
arrastando pelo chão dizendo todo
eufórico à turminha de aventura:” Já
temos o telhado”.
A OBRA
Fazemos aqui
um hiato nesta pequena história para as
explicações necessárias sobre o “estranho”Quadro que o menino encontrou no porão e dali o solapou num arranco , sem pensar nas conseqüências da noite que
seria trágica.
O quadro
continha uma famosa tela, ou melhor, uma litografia ,cópia impressa de uma
pintura famosa de um dos maiores pintores brasileiros do século XIX , Victor
Meirelles. Seu trabalho foi concluído em 1861, ano de sua exposição no Salão
Oficial de Paris. O artista ,nascido na
cidade de Desterro, no Estado de Santa Catarina, tinha apenas 29 anos quando pintou
A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL A conselho de
um amigo seu conterrâneo e professor, ele foi se inspirar na Carta de Dom Pero
Vaz de Caminha , o escriba da Corte ao Rei de Portugal, Dom Manoel I, para retratar com seu pincel o primeiro ato
religioso da Frota de Cabral no seu desembarque na Terra de Santa Cruz . No
final daquele abril do ano de 1500 , num banco de coral na praia da Coroa
Vermelha no litoral sul da Bahia, fincou-se uma cruz de madeira;foi, então,
rezada a solene missa de Páscoa , estando presentes quase toda a tripulação e componentes da Frota, soldados, religiosos e o gentio da
região,índios nus e semi-nus e crianças
, .O consagrado artista, na sua versão nitidamente naturalista, apoiando-se na
realidade histórica , a detalhes pitorescos da natureza, seguiu o texto do
escrivão da Corte , que assim registrara em sua missiva ao Rei : . “...Ao domingo de Pascoela pela manhã (
26 de Abril de 1500) , determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu.
E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E
assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um
altar mui bem arranjado.E ali, com todos nós outros, fez dizer missa, a qual
disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos
assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito
prazer e devoção.Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra
de Belém, a qual esteve bem alta, da parte do Evangelho... E quando veio ao
Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os
índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser
acabado, e então tornaram-se a assentar como nós... e em tal maneira
sossegados, que certifico a Vossa Alteza , nos fez muita devoção...Acabada a
missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados
por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história e-vangélica; e no fim
tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio
muito a propósito, e fez muita devoção. Acabada a pregação encaminhou-se o
Capitão.com todos nós , para os batéis, com nossa bandeira alta.”
A
PRIMEIRA MISSA NO BRASIL, de Victor Meirelles, é Óleo sobre Tela, medindo 270x 357 cm, é uma das obras de
arte mais representativas do país, considerada no meio artístico nacional um
tesouro icônico brasileiro.
Pois foi justamente
esse Quadro a pobre vítima levada por
aquela turminha irresponsável para servir de cobertura à sua caverna construída no fundo do quintal .
A TRAGÉDIA.
Após os
meninos cobrirem o buraco com aquele Quadro trataram de espalhar por cima muita terra e pedras. Já se fazia tarde quando os
endiabrados resolveram parar com o “trabalho”,
pois começara a escurecer. Deixaram a
brincadeira para o outro dia e cada qual retirou-se para sua casa. -Aquela noite, o céu, ao invés de estrelas,
encheu-se de nuvens e a chuva veio logo a seguir. Um aguaceiro desceu sobre a
cidade. O mau tempo persistiu até ao amanhecer. Quando o dia clareou um sol
forte reinava num céu límpido. Nada de chuva, apenas algumas poças d’água pelo
chão e por entre as árvores alguns respingos de água que desciam de suas folhas
Na caverna construída no quintal daquela
casa o desastre era total, o teto havia ruído e com ele a famosa Tela. Ela
desaparecera em meio aquele barro ali formado.
Restara apenas o buraco cheio de terra
molhada e lama, um autêntico lamaçal. Aquela pintura histórica praticamente se dissolvera , não havendo nem
vestígio daquela que fora a réplica de uma obra de arte. Os pequenos endiabrados não sabiam onde
esconder o seu desapontamento. A tristeza tomou conta de todos, não conseguindo
raciocinar sobre o mal feito. Dezenas de
portugueses, soldados e religiosos, e uma nação de aborígines, além de árvores
frondosas, navios ancorados e uma praia virgem, um mundo destruído numa noite de chuva. Somente
barro e lama sobraram da lembrança quase
viva de uma pintura naturalista retratando a Primeira
Missa em solo pátrio. O grande artista
Victor Meirelles certamente ferido em seu brio, foi esconder-se mais além no seu passado distante. E aqueles
garotos hão de ter por castigo nunca mais esquecerem aquela cerimônia religiosa que por eles fora deletada, apagada de vez ...
Realmente um triste destino dado por aqueles inocentes pirralhos à “PRIMEIRA MISSA DE NOSSA HISTÓRIA”.
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