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28 de fevereiro de 2014

A FAIXA – João Mário Braga Mendonça.



          Descansou a enxada no barranco, limpou o suor da testa com a mão calejada e sentou-se no toco. Virou-se para o terreno já lavrado e viu que nem um terço da tarefa estava cumprida. Olhou para o céu a fim de saber as horas. O sol  estava alto. Sem comer não teria forças para completar o serviço do dia. Por que será que a mulher estava demorando tanto com o almoço? Certamente o dono da venda não quis lhe vender fiado, pois na outra semana ficara lhe devendo bastante. Também pudera, o que recebeu mal tinha dado  para pagar a farmácia. Ainda bem que o médico foi por conta do Funrural... Assim mesmo, teve que perder um dia de serviço para conseguir a consulta. Sem condução para ir à cidade não pode contar com o patrão que tinha compromissos sérios no Banco do Brasil tratando de novo financiamento para o plantio do café, e com aquelas dores que sentia, não foi fácil.
          Com a falta de alimentação adequada, as vitaminas dos remédios caros pouco efeito fizeram. Mas, precisava trabalhar para que os filhos não passassem fome. As lembranças daquelas carinhas sujas, sempre famintas, mas divertidas, sempre o ajudavam a vencer a fraqueza e a dar conta da tarefa. Ainda mais que a mulher estava esperando mais um para o meio do ano!...
          Lembrou-se que era sexta-feira, dia de receber. O fraco almoço, pois o feijão acabara na véspera, assim mesmo o sustentou até a hora da janta. Essa sim, foi mais substanciosa, com a cambuquira e as abobrinhas que catou pelos barrancos da estrada.
          No caminho para a cidade foi fazendo as contas. Ia receber menos que na semana passada. Pedira um  adiantamento na terça-feira para comprar uns “verlons” novos para as crianças que queriam acompanhar a procissão do Senhor Morto na Semana Santa. O que ia receber talvez não desse nem  para pagar a dívida da venda. Mas Deus não desampara ninguém, como diz o patrão que era muito religioso. Pedir adiantado outra vez ele não ousaria. O patrão já fora tão camarada assinando sua carteira para ter direito ao Funrural!... Só que todo mês tem aquela trabalheira de assinar uma folha, que, diz o moço, é dum tal salário mínimo. Mas ele nem sabe quanto é, pois mal desenha o prenome. E o tal papel, como lhe disseram, é para garantir a sua aposentadoria, se viver até lá, bem entendido.
          Na volta da cidade não podia se esquecer de comprar uma rosca no bar do João Sofia. As crianças iam gostar tanto! Há uma semana que só comem pão dormido comprado na venda...
          Com a grande caminhada sentia mais fortes as dores que o acompanhavam. Se ao menos o tivessem internado quando foi consultar, teria se alimentado bem no hospital e as dores com certeza passariam, já que o médico disse que era mais de fraqueza e falta de vitaminas. Quem sabe na próxima consulta ele dê uma internação!?
          Ficou olhando para aquela faixa na entrada da cidade e imaginava o que seria. Sim, porque ler mesmo ele não sabia. Ouviu falar num tal de Mobral, mas no seu bairro não tem escola e a mais próxima é muito distante. Teria que perder ler e já teria vivido até agora sem isso. Mas os filhos tinham que aprender a leitura, mesmo que custasse sacrifício de sua parte.
          Aquela faixa o intrigara. Sabia que não era tempo de eleição e o patrão, que era da política, nada tinha dito a respeito.
          Limpou a poeira da calça, ajeitou o velho chapéu de palha e antes de entrar na cidade lançou mais um olhar desconfiado para a faixa da CF 78 que estampava em letras garrafais: _ TRABALHO E JUSTIÇA PARA TODOS.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande João Mário.

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