Desde
que o mundo é mundo, nunca se soube que a Rede Globo tivesse deixado de
apresentar um só capítulo de novela. Ontem foram todos. Fim de um mundo ou
começo de outro?
No
século XVIII, no rastro dos iluministas, a Revolução Francesa colocou uma
prostituta no altar de Notre Dame. Era uma nova divindade, a Deusa Razão, de
uma nova religião, o iluminismo. Estavam abolidas as religiões ditas antigas:
bramanismo, judaísmo, cristianismo, islamismo. Mas, na verdade, o mesmo sufixo
ISMO continuava no mesmo lugar: iluminismo, positivismo, evolucionismo,
racionalismo. Mais tarde, o mundo veria no que ia dar: comunismo, nazismo...
Praticamente
quase tudo é ISMO: esse sufixo formador de nomes de doutrinas, princípios,
teorias e sistemas filosóficos, religiosos, artísticos, científicos,
econômicos, políticos e de governo. Tudo como animismo, existencialismo,
instrumentalismo, materialismo, platonismo, pragmatismo, anabatismo, ateísmo,
druidismo, espiritualismo, estruturalismo, positivismo, classicismo... Tudo
também como castrismo, chaguismo, fidelismo, franquismo, getulismo, lacerdismo,
salazarismo, thatcherismo, malufismo, petismo... Tudo como nas patologias:
botulismo, raquitismo, tabagismo, reumatismo... Tudo como até em altruísmo.
Enfim, ISMOS para todo gosto.
Mas
no século XIX, Nietzsche percebeu que não resolvia muito trocar 6 por meia-dúzia.
De nada adiantava declarar que tal e tal ISMO era sinônimo de coisa
ultrapassada se no lugar fosse assumpto outro ISMO. Trocar a velha religião
cristã e sentar no lugar dela outra religião, mais pagã, talvez, mas assim
mesmo religião, igual em equivalência, não mudava muito a ordem das coisas, que
continuavam ainda, e do mesmo jeito, velhas, como antes.
Foi
Nietzsche quem deu o pontapé inicial na pós-modernidade. A antiguidade tinha
erguido os seus ISMOS. A modernidade os trocou pelos seus. A pós-modernidade
não queria mais saber de ISMOS, a não ser de onde eles não pudessem ser
removidos a custa de muito custar. A humanidade podia muito bem viver sem eles.
Ainda que não fosse fácil. Ainda que tivesse de reinventar a roda.
Um
sujeito me disse, outro dia, da dificuldade que teve em engolir que a filha
queria torcer pela seleção da Alemanha, com camiseta laranja e tudo. Para ele,
era sagrado torcer pela seleção canarinho. Brasiu...iuiuiu!!! Amarelo, sim.
Laranja, não.
Mas
é isso que as novas gerações estão nos ensinando. Elas não querem mais os
nossos ISMOS. Elas não querem correr atrás de ISMO nenhum. Elas querem pensar.
Se a filha quis torcer pela seleção da Alemanha era só – veja bem, só – porque,
naturalmente, a seleção da Alemanha, para ela, era a melhor. Ela olhou,
comparou, decidiu: quero aquela, não esta.
As
novas gerações querem pensar. Quando a gente pensa que elas não pensam, estamos
enganados. Atrás daqueles IPAD-PED-PID-POD tem gente pensando. Antes pensávamos
de um jeito; hoje, de outro. É só isso. Não há nem mais nem menos: só
diferente.
As
novas gerações foram às ruas para dizer: não queremos seu jeito antigo.
Queremos fazer diferente. Fizeram. Estão fazendo.
Quebraram
muita coisa também. Mas isso é cogumelo que nasce em madeira podre. Há preço
para tudo. Alguém poderia fazer a gentileza de contabilizar se toda quebradeira
do país, vidros, postes, agências, cabines, se equipara ao superfaturamento de
um, apenas um, dos estádios construídos, inclusive, ou a começar daquele de
Brasília, e questionar se eram realmente necessários. É bom que essa conta seja
feita antes que seja tarde. Porque deve ter gente doida pra apostar nos
excessos, e na força que eles tenham de desmoralizar o objetivo maior da
mobilização.
Não
importa nem mais se os 20 centavos forem ressarcidos, se as cinco grandes metas
forem atingidas, se o Renan filho do Collor foi defenestrado, se a presidenta
virar presidente, ou vice-versa, desde que resolva ser de fato, se, se e se.
Nem a imbecilidade da “cura gay” conseguiu tirar o brilho do que foi mostrado
aos olhos do mundo. O que aprendemos nesses dias ficará para sempre. Quando vi
a molecada subir em direção ao centro da cidade, pensei: Pode até ser que eles
não saibam, agora, o que estão fazendo. Mais tarde, quando a História for
contada, dirão “eu estive lá”. E isso não tem preço.
Aprendemos.
Como aprendemos!
Aprendemos
desses dias que – não – o Brasil não é o país do futebol nem a pátria de chuteiras
nem o país da copa nem o país do carnaval. Viu?, Galvão Bueno, Pelé, Ronaldo,
William Bonner... E toda restante camarilha que ache que possa pensar por nós e
em nosso lugar, sem procuração assinada. É pra não esquecer, mesmo, que tudo
isso aconteceu no meio de uma copa, que a presidenta foi vaiada na abertura dos
jogos e que não é mais apenas um gol perdido que cala o Maracanã. Tsss... Isso
foi lá em 1950, e só durou enquanto o Canal 100 fazia da ufania auriverde um
arremedo de patriotada, nas salas de cinema, antes dos filmes. Passou.
Perdemos
a inocência? Um dia, todos, perdemos. É o preço de crescer. Perdemos outras
inocências, deixamos de acreditar no Papai-noel, na cegonha, na nossa própria
maravilhosa onipotência infantil construída por nossos pais para manterem a
deles, e nem por isso morremos. Pelo contrário! Tá sendo muito bom descobrir
que não vivemos na Belíndia (mistura de Bélgica com Índia). Vivemos no Brasil,
falamos português, comemos arroz-com-feijão, e não nos sentimos menos só por não
morar em Miami e fazer e fazer e fazer compras de bugigangas. Na verdade, o que
perdemos não foi a inocência, foi a esquizofrenia. O momento delirante do país
vai deixar saudade, mas só em quem se recusa a crescer e enxergar. Passou.
Passou...
Como
isso vai terminar? Sei lá! Alguém sabe como vai acordar amanhã cedo ou se vai
acordar? Nem sabemos direito como começou! Mas o fato é que aconteceu. E fez
sair do ar uma programação inteira de novelas, coisa que não acontece nem na
Sexta-feira santa nem no Natal nem no carnaval, quando geralmente a primeira
escola sequer é apresentada porque sua majestade imperial “a novela” não pode
não aparecer para o beija-mão.
O
importante não é como isso vai terminar, mas como vai continuar. Saire-mos mais
adultos? Mais fortes? Mais decididos? Olharemos para nós mesmos com mais
orgulho? Figuraremos no mapa-múndi e diante dos povos não apenas como nação
emergente, que compra até capim-pegando-fogo, mas como povo capaz de mostrar a
cara sem medo, sem ódio, sem rancor? Seremos o que realmente nunca deixamos de
ser, gigantes pela própria natureza?
Começamos.
Continuemos. Os jovens estão de novo, cantando o Hino, embrulhados na Bandeira,
em todo canto do país, em muitos cantos da Terra.
Tudo
o que é sólido desmancha no ar. É verdade. Se for o fim de um mundo, que seja o
começo de outro. Se for o fim de um mundo é porque, talvez, já seja o começo do
outro. Irresistível mudança!
Renato
Lôbo- 20/06/13
4 comentários:
Parabéns Renato.
Brilhante Renato.É isso aí mesmo.
Lindo e emocionante o texto!
Quando tudo parecia perdido vemos uma luz no fim do túnel e nos enchemos novamente de esperanças.
Bla...Bla...Bla...
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