O TERNINHO
Naquela época a cidade enchia aos
domingos. Fazendeiros que residiam nas fazendas vinham para as casas na cidade
(ou vila como muitos diziam) e muitos que na cidade permaneciam, recebiam
empregados e feitores para os acertos de contas, muita gente vinha para a missa
das onze na matriz ou na capela da Aparecida. Era muita movimentação de gente,
cavalos, charretes e automóveis. Dava gosto entrar no Mercado Municipal com as
enormes mantas de toucinho, frutas variadas, as chamadas laranjas de cafezal,
marmelo (hoje desaparecido), cereais vendidos a litro, linguiça a metro. Ouvi
dizer que vendiam batatas a litro, não vi e se visse não acreditaria. Aquela
banha de porco ia ser a gordura para a cozinha, com alguma sobra para os
torresmos (parece até que eu tinha fixação no torresmo). Dizia-se, o mineiro
planta o milho, o porco coe o milho, o mineiro come o porco, e como se
engordava porco e como se plantava o milho. Mas ( no final vai um comentário
sobre o mas) teve início a
industrialização, surgiram o óleo vegetal, a farinha de mandioca, mas a âncora
na produção era o café. Mas, sempre o mas, chegou o ano de 1929 e todos sabem o
que aconteceu nos Estados Unidos, com consequências terríveis para o Brasil e
para nossa cidade. Mas não era bem isso que eu queria dizer, estou enchendo
linguiça...
Queria dizer e agora o faço:
_Em um domingo eu estava passando
em frente a uma loja (as lojas somente ficavam fechadas nas Sextas-Feiras
Santas) pequena e vi pendurado do lado de fora, sujeito ao sol e poeira, um
terno de roupa barata e que podia se dizer “que feia”, se alguém perguntasse
(felizmente ninguém perguntou). Chegou então um jovem roceiro que olhou a
mercadoria exposta atentamente e disse ao companheiro “um dia ainda vou poder
comprar esse terninho gaizeiro”. Tive pena do rapaz e não esqueci aquela
demonstração de humildade e de esperança. Decorridos alguns anos eu adquiri um
corte de tecido melhor e mais moderno e disse a mim mesmo “vou fazer o meu
terninho gaizeiro”. Será que o brazopolense fez o dele? Tomara que tenha comprado
o seu e que seja melhor que aquele esturricado.
O EMPREGO NÃO CONSEGUIDO
Eu estava subindo a ladeira do
Mercado Municipal (aquele prédio antigo e bonito) e ao meu lado ia um rapaz
muito conhecido, bom, humilde, que trabalhava carregando compras, malas e latas
de água nas épocas de seca. Ouvi, então, ele dizer ao amigo ao seu lado que não
conseguiria o emprego de zelador da privada que esperava. E tem mais, ele se
lastimou dizendo “coisa boa não é mesmo pra mim”.
O PERFUME BOM
Estava em uma loja quando vi um
rapaz meio acanhado, indeciso; ele olhou demoradamente a vitrine e perguntou o preço de uma pequeno
vidro de perfume, menor que um dedo mínimo ( aliás o bom perfume vem em vidro
pequeno, é sabido)> Quando soube o preço, um cruzeiro, ele pensou, pensou e
disse “está bem, eu gosto mesmo é coisa boa”, e comprou.
QUEIXA DO MENDIGO
Surgiu em Brazópolis um mendigo
que era interno do asilo. Devido seus grandes dentes centrais ele recebera o
apelido de Tião Vaca, sendo ele o Tião, não a vaca, logicamente. Era grande a
sua fome, comia de tudo que lhe davam, pão novo e velho e apanhava os
farelos do chão. Ria muito quando lhe perguntavam se comeria um boi inteiro e
confirmava. Assim era o risonho Tião vaca.
Um dia eu estava no Bar do João
Pinto, certamente ouvindo noticiário da Guerra, que o lugar era bom para isso e
notei um senhor idoso, desanimado, e ouvi sua reclamação. Ele era interno do
asilo e tinha inveja do Tião Vaca que, por comer muito tinha permissão para
sair mais vezes, para satisfazer a fome nas ruas, mendigando..
Esses exemplos fazem pensar na necessidade
que temos de aceitar as coisas, de nos conformarmos em situações adversas, mas
sem exagerarmos na aceitação, há a necessidade de procurarmos o melhor, sempre
valorizando o que se faz e o que se tem. Mas olha, sempre sem exagerar.
A respeito de valorização vale
contar o que ouvi em Brazópolis. Quando surgiram os grandes foguetes espaciais
de vários estágios para a exploração do espaço, um fogueteiro de nossa região
teria dito ser aquela coisa muito simples, ele sabia como fazer. O principal
era separar bem os diversos pacotes de pólvora.
FIM
PS- A respeito de “mas”. _ Mas,
contudo, todavia, conjunções que carregam uma carga de surpresas; que digam os
advogados.
Eles, representando autores ou réus
em processos judicias estão ouvindo ou lendo a sentença e aguardam – para um e
outro há o perigo de um “mas”. Os juízes usam muito o “mas”, o “contudo” e “todavia”,
e sentenciam – “provou isso, requereu isso, realmente aconteceu isso, aconteceu
aquilo...” e aí entra o mas, ou o contudo ou todavia e quem parecia ganhar,
perde, e quem parecia perder, ganha.
Até logo!
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