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5 de dezembro de 2011

ADMIRÁVEL SÉCULO NOVO - Renato Lobo

É admirável o século XXI!
Para quem veio de uma época de quase nenhum acesso, o século XXI começou cheio de promessas. Ta certo que a primeira década teve Bin Laden, Bush e outros “Bês”. Ta certo que as palavras “crise financeira” inundam todos os espaços desse início de segunda década. Mas para quem viveu sem computador, telefonia, internet; para quem viu prateleiras de supermercado vazias no Plano Sarney (o zumbi que insiste); para quem viajar de avião era coisa além da imaginação, o século XXI é mesmo novo.
Novo e admirável! Pelo menos, naquela parte do mundo que se autodenomina “livre”, é adorável esse maravilhoso acesso ao pensamento e à possibilidade de fazer escolhas.
Há exatos 100 anos, Freud escreveu uma carta ao pastor protestante Oscar Pfister. Parêntesis. Por carregar a fama de enxergar sexo em cada esquina, há quem imagine que Freud fosse um libertino depravado. Não há nada que fique mais longe da verdade do que essa versão distorcida de Freud. Freud era um pacato cidadão, médico, professor, e pai de família com dez bocas para alimentar.
Há 100 anos, naquela carta, Freud se recriminava diante do amigo pastor protestante, justamente, ironicamente, imaginem, por ser um homem escandalosamente pudico. “Acho que análise sofre do mal hereditário da virtude. Ela é obra de um homem decente demais, que também se sabe comprometido com a discrição. Acontece que as questões psicanalíticas só são compreensíveis na totalidade e minuciosidade, assim como a própria analise só anda quando o paciente desce das abstrações substitutivas para os pequenos detalhes. A discrição é incompatível com uma boa análise“.
E arremata dizendo que o analista deveria ser como um artista que compra tintas com o dinheiro do orçamento doméstico e queima os móveis da casa para aquecer a modelo. “Sem tal dose de criminalidade, não há produção correta” (Carta a Pfister, 05.06.1910).
A ideia central da carta era a de que a hipocrisia fazia tão mal quanto a doença. Melhor. A ideia, no final do século XIX, início do século XX, era a de que a doença nascia da hipocrisia. Melhor ainda. A ideia naqueles tempos fundadores era a de que a hipocrisia era a doença. Admirável e corajoso Freud!
Admirável século XXI! Hoje não precisamos mais gastar todas as economias pra comprar tela e tinta e nem queimar os móveis da casa pra aquecer a modelo nua. Entre outras, essa é a razão porque esse século XXI começa admirável e novo. A não ser em setores reacionários da sociedade, cada dia que passa convive cada vez melhor com a pluralidade das possibilidades humanas e convida, dia após dia, a descascar da parede do imaginário social a tinta vagabunda, porém cara, da hipocrisia. Caem os véus, as burcas e as sobras de outros tempos. As pessoas hoje pensam. As pessoas hoje falam. E não mais à boca pequena, persignando-se como quem espanta demônios invisíveis ao menor incréu pensamento ou inadequada palavra perjura. O pensamento corre solto e veloz. A fala soa alta, franca, digna.
Ainda temos guerras (pipocando por todo canto), tiranias (o jeito muçulmano e, por que não, o americano de ser), bossalidades (Hugo Chaves sozinho preenche o quesito), imbecilidades (o Big Brother e, claro, quem “espia”), mentiras, roubalheira e corrupção (parlamentos e governos em geral), intolerâncias (homofóbicas e xenofóbicas lato sensu), diferenças sociais (o quarto de 2x2 da empregada no apartamento de 600 m2) pobreza, miséria e fome (a África, a Índia e o Nordeste brasileiro, não necessariamente nesta ordem) e os quatro cavaleiros do Apocalipse (made in China). O mundo ainda é mundo. Uai!
Mas...
Já vivemos no século XXI. Esse adorável e defeituoso século XXI!
Quando era criança, eu observava que as pessoas abriam apenas uma fresta da porta para receber quem batesse de fora, e se enfiava atrás de cortinas nas janelas para não cumprimentar quem passasse. Mais que hipocrisia, aquilo era medo.
Hoje, cada vez mais, não é mais assim. É claro que nos escondemos atrás de câmeras de segurança, mas essa é outra questão. Já conseguimos nos esconder cada vez menos de nós mesmos. Não precisamos mais disso. Mentir pra si mesmo era a regra, para os outros, a exceção. Acho que já começamos a inventar a exceção da exceção. Ainda mentimos. Mas já sabemos quando, onde e por quê. Sabemos, inclusive, que precisamos cada vez menos elogiar o São Jorge do new rich que acende a luz na boca do dragão cada vez que se abre a porta. É só dizer: É a sua cara!
É que já vivemos no século XXI. Esse problemático século XXI! Esse mais claro e mais aberto século XXI!

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