Estava eu sentada calmamente em frente à Igreja de São Sebastião aguardando a chegada dos cavaleiros. Numa demora tranquila, observava a beleza e calmaria das montanhas. Três crianças brincavam e azoretavam meu sossego. Em meio a tanta gritaria me esqueci das montanhas e passei a observá-las.
Dois eram, com certeza, irmãos. O terceiro parecia ser amigo dos demais. Correm de cá, de lá, gritam, reclamam, brigam, brincam. Tiveram idéia de ir no tiro ao alvo e vieram, empolgados, pedir dinheiro à mãe (somente nessa hora percebi a presença dessa figura). E inicia diálogo:
__Mãe, da R$2,00 pra jogar tiro ao alvo?
__Toma! (nem pestaneja, retira e entrega)
Eles correm. Passados menos que 10 minutos, eles voltam, nervosos:
__Mãe, fizemos 27 pontos. E pra ganhar precisa fazer 50 pontos. Dá mais R$2,00 aí.
__Nada disso, disse ela retirando a nota da bolsa e estendendo ao que parecia ser o mais velho. Nem pensar! Não me peça mais dinheiro! E entregou a nota.
Achei aquilo confuso, confesso que sorri cinicamente e continuei na minha silenciosa observação.
Voltaram correndo, nervosos e empolgados.
__Mãe, dessa vez fizemos 41 pontos, o Pedro conseguiu derrubar um de 10 pontos. Dá mais R$2,00?
__Eu já não disse que não era nem pra pedir mais? Nem pensar, isso é um roubo, estão fazendo vocês de bobos, vocês nunca conseguirão os 50 pontos e ficam jogando dinheiro fora.
__R$2,00 mãe, só R$2,00, disse o menor, estendendo a mão.
__Eu já disse que não, e se pedirem de novo levo vocês pra casa e acabou a festa, respondeu ela, retirando da bolsa a nota pedida e entregando às crianças.
Voltaram empolgadas para a barraca de tiros.
Muito confusa, eu pensava nas cenas e queimava miolos.
Eis que chega o pai e se aproxima,quase junto das crianças.
__Pai, quase ganhamos um DVD. Pra ganhar o DVD que ta lá , tem que fazer 50 pontos, quase fizemos.
__Vocês estão brincando do quê?
__Tiro ao alvo, responderam em coro.
__Arma? Vocês estão brincando com armas? Já não proibi de brincar com armas? Já não conversei em casa antes da gente vir pra cá? Não foi combinado?
__Mas pai, o DVD é bonitão, deve valer uns R$200,00 porque tem até microfone e caraokê , quase ganhamos.
__Vamos lá e vou mostrar pra vocês quem é bom de tiro. Vou trazer o DVD.
Saíram. Eu? Boquiaberta!
Voltam os quatro, sem DVD. O pai com cara de bravo fala pra esposa:
__Palhaçada, nunca alguém ganhará o prêmio. Roubada, dinheiro jogado fora!
A mãe olha e continua conversando com uma senhora ao lado.
As crianças buscam outro brinquedo. Retiram do bolso uma hélice com balão que ao ser enchido de ar e solto, faz a hélice girar, soltando sons agudos. Pai e filhos iniciam brincadeira com o objeto. O brinquedo do filho mais velho vai mais alto que o do pai e o menino brinca:
__Não sabe soltar, o meu vai mais altoooooo.
O pai se irrita:
__A hélice do que você me deu está torta, muito torta!
O menino mais velho verifica e diz que está perfeita. O pai retruca:
__Está torta e tenho certeza que você que entortou, tenho certeza disso!
O menino não toma conhecimento e continua na brincadeira.
O pai sopra demais o balão, que acaba estourando. O menino menor chora fazendo cena. O pai se dirige ao maior:
__Dá o seu pro seu irmão.
__Mas pai...
__Agora! Dá pro seu irmão, to mandando!
__Mas pai não fui eu que...
__Já mandei dar agora, foi você o culpado do outro ter estragado, você que entortou a hélice, foi sua culpa, você fez de propósito! DÁ PRO SEU IRMÃO!
Choro e lamentações. O pai fica indiferente e se aproxima da esposa e da senhora idosa. Conversam banalidades por um tempo, até que a senhora idosa vê aproximar o esposo e o chama.
Enquanto as crianças correm e atormentam a todos com esbarrões, gritos, empurrões , jogam papel de bala pelo chão , os adultos iniciam uma conversa empolgados, apontando várias direções:
__A casa ficava naquele morro, disse a mãe das crianças. Era horrível, meu bem. A gente tinha que levantar cedo, ir ajudar a tirar o leite, depois tinha o terreiro de café onde a gente tinha que ficar empurrando os grãos. E pegar lenha, então? Que horror! Minha perna voltava toda arranhada, picada. Era horrível demais!
__E o barro então, disse a senhora idosa, sujava o chão da cozinha que era de cimento liso, onde eu passava vermelhão pra dar aparência melhor.Ficava todo sujo e fedido.
__Era um terror! As laranjas caídas pelo chão, roupas com nódoas de banana e jabuticaba, roupas rasgadas de subir nas árvores , que a mamãe vivia remendando. Foi um tempo terrível, disse a mãe das crianças.
__Nem gosto de lembrar, respondeu a senhora idosa. Aquele povo que chegava fedendo suor vindo no sol quente montado em cavalos e ainda paravam na porta da sala pra pedir água. Alguns até pisavam na sala com o pé sujo!
__Não foi nada fácil, né papai? Pergunta a mãe das crianças.
__Graças a Deus tudo isso acabou, nem gosto de lembrar quando chegava o tempo da panha de café. Era um trabalhão danado ficar no meio do mato carregando sacos, levando café pra todo mundo, tinha que ficar ouvindo as lamurias do povo!
Deram boas gargalhadas , até que os meninos retornaram:
__Pai, mãe, dá R$7,00 pra gente pular na cama elástica? O homem falou que de três fica mais barato.
__EU JÁ DISSE QUE NÃO! Já não falei que não era para pedir mais dinheiro que eu NÃO ia dar, disse ela, retirando uma nota de R$10,00 e entregando-a ao mais velho.
__E traga o troco, disse o pai.
Conversa vai, conversa vem. Sempre relembrando os tempos horríveis, até que os três meninos voltam gritando:
__Dá mais R$1,00 mãe, a gente já deixou os R$10,00 e aí o homem falou que se a gente levar mais R$1,00 agora ele vai deixar por R$4,00.
O pai, histérico:
__Sua mãe já não falou pra vocês que não ia dar mais dinheiro? Não disse que era para trazer o troco? Não foi isso que ela mandou? NADA DE DINHEIRO! NADA DE PEDIR MAIS! CHEGAAAA!, disse ele, retirando do bolso uma nota de R$5,00.
Entregou-a ao menino mais velho, com uma clara recomendação:
__E traga o troco, nada de gastar mais, nem adianta pedir que não daremos mais!
Os meninos saíram correndo.
Eu me afastei confusa, começando a entender essa nova geração.
Sim, claro que não!
Um comentário:
mt louco isso! Como para ficar mais longe dos filhos os pais negam e depois dizem sim....Como relembrar de tempos ótimos como terríveis. Sinto tanto por meu filho não viver o que eu vivi. Talvez ele não suba em árvores, não nade no rio (é tão bão isso) Iamos no rio e levavamos cestas para aproveitar e fazer pique-nique. É uma pena!
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