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16 de abril de 2012

A MORTE DO VELHO PRETO ZÉ MINA

Villa Braz – 18 de dezembro de 1910 - O Imparcial

José Mina
Ocorreu tras-ante-hontem pelas 5 da tarde, a morte de um dos mais antigos, senão o mais antigo, habitante deste município – o africano José Mina.
Contava com mais de cem annos de idade.
O velho preto Mina foi o exemplo de trabalho, e, o que é bem raro, um escravo probo.
Merece bem um necrológio.
Infelizmente não temos dados para fazê-lo completo.
José Mina foi entregue traiçoeiramente por um seu tio a um traficante de escravos, em troca de missangas, consoante o uso daquelles mercadores, pelo anno de 1830, mais ou menos, sendo já então homem feito.
Dahi veio, sem grande demora, parar na fazenda do Tenente Antonio Dias, no bairro doa Dias, para onde foi vendido.
Alguns annos depois, para amenizar as agruras do cativeiro e disfarçar a saudade da Pátria Distante, uniu-se com uma patrícia Isabel, com quem se casou mais tarde.
Morto o seu primeiro senhor, passou para as mãos do Tenente José Dias tendo então de ir para São Bento do Sapucahy, separado de sua companheira, pois esta pertencia a outro senhor.
Compadeceu-se, porém de sua sorte o saudoso abolicionista e republicano Manoel José Veloso que, a seu pedido, o comprou, fazendo-o voltar para junto de sua companheira.
Trabalhava nos dias úteis para o seu senhor, e nas noites de luar e dias santos, cultivava a terra, que seu senhor lhe dera, para si, ou ia á povoação vender seus produtos. Não dormia nessas ocasiões.
Sua maior aspiração era juntar um pecúlio com que se pudesse forrar, á mulher e os filhos e voltar para a sua Terra.
Com que nostalgia elle fallava na “Terra de Mina”! Elle a amava, era patriota.
Conseguiu parte de seu intento: entre 1886-1887 libertou-se e libertou sua mulher; e conseguiria libertar também os filhos por suas mãos, se em 1888, não viesse a liberdade geral pela mão da princesa Isabel.
Depois da liberdade, apezar de continuar sempre trabalhador, não conseguiu mais juntar pecúlio.
Era viciado no jogo de búzio, e uma vez livre, entregou-se a elle desabridamente. Caminhava uma légua de noita até a povoação, para jogar; deixava suas economias nas mãos dos espertalhões, e voltava ao romper Dalva, para recomeçar a faina diurna.
Tendo enviuvado, casou-se de novo, depois dos 80 annos, morrendo-lhe alguns annos depois a segunda companheira.
Pagou emfim, depois de muito luctar, o seu tributo á longevidade: chegou á caduquice, á senilidade.
Viveu sua velhice numa casinha própria, no bairro da Apparecida (arrebalde desta Villa)onde expirou o último alento – á mercê da caridade pública.
Não pedia: exigia em altos brados, com um resto de sua grande energia: Mina qué cume!
Julgava-se com direito á caridade, e o tinha de facto, melhor que qualquer outro.
Incommodava, ás vezes, com suas lamúrias: Lêgo...pau de fumo...Lêgo num presta mais...Jesu Christo...papae mamãe...misericórdia...Lêgo tá cum fome...
E isto principalmente quando juntava á caduquice um pouco de água ardente.
Mas era um velho esplorado pela sociedade, decrépito ao peso de longos annos de trabalhos, cheio de amarguras, era justo que se afogasse no álcool as suas mágoas.
Não há tanta gente boa que assim o faz sem ter tão fortes motivos?
Deixa filhos. Entre elles se destaca um que, honra a sua memória: herdeu todas suas qualidades boas com exclusão das más: é o Zé Mina Moço.
É um negro honesto em toda extensão do termo, digno de ser imitado por muita gente branca. Nos tempos corrompidos que correm, um preto como esse causa admiração.
Convem notar que era contra gosto de seu filho José, que o Mina Velho recorria á caridade pública. Da liberdade que durante tantos annos lhe roubaram, não quis mais abrir mão até os últimos momentos. Preferia soffrer tudo a deixar sua casinha: o isolamento, mas a independência.
Algum espírito superior há de achar demais estas linhas a um preto velho que andava perturbando o sossego público. Mas o que nos diz a consciência é que, o espírito superior que por ventura assim pense, não faz mais jus a um necrológio do que o infeliz centenário José Mina.

(No texto, retirado do jornal, foi mantida a grafia original)

Obs: Caetano Mina, que hoje vive no Ladma, é filho de Zé Mina Moço, portanto neto deste escravo Zé Mina, vindo da África.

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