STATIO VII – SEGUNDA QUEDA - Renato Lôbo

Ele foi transpassado por nossas revoltas, esmagado por nossos crimes. Caiu sobre ele o castigo que nos deixaria quites, por suas chagas é que fomos curados (Is 53,5).

Ia caindo quando fui sustentado por uma mão amiga... Lembrei-me de Ti, que fazes o mesmo a vida inteira.

A segunda queda acumula ressentimentos humanos contra um Dês que parece alheio a tudo e nada quer ver. Quantas vezes dissemos isso? Onde Deus estava quando o barraco desabou com o incêndio e matou a criança que dormia? Onde Deus estava quando o seqüestrador jogou o jogo mias sórdido, privou de liberdade e vida quem nada tinha ver senão o fato de estar ali, naquela hora? Onde Deus estava quando as águas subiram e levaram tudo, uma vida inteira de pequenas economias, uma vida inteira de uma pequena vida? Onde ele esteve no arrastão de lama da serra carioca? Onde esteve no terremoto, tsunami, incêndio, irradiação nuclear e sei lá mais o quê do Japão? Auschwitz, Hiroshima, Nagasaki, Bósnia, todas as Áfricas, Tibet, Nepal, o extermínio dos povos pré-colombianos, os extermínios das ditaduras latinas, todos os extermínios, todos... Onde ele estava? Não é isso que se pergunta?

Onde o Pai estava quando o Filho se arrastou e desmaiou de dor e exaustão, sob uma haste de madeira que lhe arrancava a carne dos ombros? Onde estava? Não é essa a pergunta?

Será que um dia enxergaremos toda a realidade como numa foto ..., ou mais?

Arrisco-me a dizer que o Pai estava lá, sustentando desde dentro, sussurrando palavras inaudíveis, algo como um pai sussurraria se não pudesse intervir, se não pudesse acudir, nem trocar de lugar. “Vamos, meu menino! Falta pouco! Estou aqui, orgulhoso de você.”

E mais uma vez, ele se levanta... E vai. A segunda.

Gosto dos pássaros, que se enamoram das estrelas, e caem de cansaço ao voarem em busca da luz.