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28 de maio de 2013

O BURRINHO E OS BALAIOS – Pe. Agnaldo José



Cruzei a linha por onde passam os trens de carga da região nordeste do Estado de São Paulo, em direção ao porto de Santos. Dona Maria, 75 anos, mulata, de chinelos nos pés e sorriso nos lábios, acenou-me em frente ao portão de bambu. “Que bom que você veio, padre”. “O brigado pelo convite, dona Maria. Uma das coisas que mais gosto é tomar uma café preparado por mãos mineiras”. Ela me abraçou demoradamente.
         Dona Maria, quando criança, morava em Brazópolis, no sul de Minas Gerais. Tem uma memória de ouro! Dentre tantas curiosidades que me contou, uma me faz chorar: “A gente sofre muito nesta vida, padre. Quando eu tinha cinco anos, lá na roça, passávamos dificuldades. Meu pai trabalhava de dia, para comer à noite. Quando ele voltava para casa, ficava quase sempre calado”.
         De repente, como eu não desgrudava meus olhos dos seus, notei que seu rosto mudara de feição. A tristeza tornara-se visível. “Um dia” – continuou ela – cheguei da escola, logo após o almoço. Estava com muita fome. Deixei o embornal em cima da máquina de costura e fui direto para a cozinha. Minha mãe estava chorando, com as mãos no rosto. Meu pai havia nos deixado... não sabia o porquê”.
         Apertei suas mãos. Ela apertou as minhas. “Não sabia disso, dona Maria”. O silêncio só foi interrompido quando um galo cantou no quintal. “Mas, Deus é maravilhoso com a gente!, exclamou. “Perdemos um pai, por ele nunca mais voltou, mas ganhamos outro: o nosso avô, Manoel Felício, pai de minha mãe. Ele foi nos consolar e passou a nos tratar como filhos. Meu avô-pai era muito religioso. Não faltava na missa nem que chovesse canivete”, contou, enquanto ria.
         “Tenho vivas, em minhas memórias, as manhãs de domingo. O sítio onde morávamos ficava a mais ou menos oito quilômetros da cidadezinha. Ele ia até o quarto, quando ainda estava escuro, e chamava a gente, um por um com um beijo no rosto. Minha mãe coava o café e fervia o leite, enquanto meu avô arreava o burro, amarrando nele dois balaios, um de cada lado. Depois colocava a gente nos balaios. Eu ia dentro de um com meu irmãozinho mais novo; no outro minhas duas irmãzinhas. Vô Manoel ia puxando as rédeas do burrinho até chegar à igreja de São Caetano. Amarrava-o no tronco de uma árvore, na pracinha. Assistíamos à missa igual a anjinhos. Se a gente desse um ‘piu’, era bronca na certa. Depois da missa ele nos levava até o padre para nos benzer. Em seguida ia para a venda, do outro lado da praça, e comprava alguns doces. Logo, estávamos novamente dentro dos balaios, abençoados e felizes. Sinto saudade. Aquela saudade que faz bem ao coração”.
         Enquanto contava a sua história, minha imaginação me levou à Terra Santa, quando José conduzia o burrinho pelo deserto da Judeia, rumo ao templo de Jerusalém. No lombo do animal estava Maria, segurando nos seus braços, o menino Jesus.
         Como a Sagrada Família, dona Maria, Manoel Felício e as outras crianças enfrentavam a poeira da estrada pela fé. Por isso não foram vencidos pelo abandono, pois Deus os segurava nos seus braços de Pai.

Revista Ave Maria – Edição de maio/2013

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