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31 de julho de 2015

A LUZ NO FIM DO FILME – Renato Lôbo



Naquele ano, o cafezal havia saído mais forte da geada, e agora aparecia vestido de branco, inteiramente branco, branco, branco, feito noiva.

Naquele ano, ela fez 80, e eu fui lá.

Festança. Tinha até uns trens diferentes que eu nem imaginava. Na chegada, ela já estava de pileque; quando saí, todo mundo estava. No meio de tudo, uma declaração solene: “Agora que alcancei a viuvez, não caso nem morta! Só namoro. ”

80 anos!

Grande dama! Perder o presente era um pecado mortal sem perdão. Divagando sobre o medo da passagem do tempo, saiu-se com essa: – Não suporto essa bobagem de saudade do passado! Tenho saudade, sim. Mas é do futuro.

E resumia:
– Da vida não se leva nada, meu filho!

Os primeiros trinta? É quando a gente nasce, cresce e rala. Tudo é “Não”. Nem bem crescidinho, lá vem a escola cheia de sarampo, piolho, caxumba, tarefa, prova.

Depois, faculdade, emprego, paixão, acasalamento, casamento e procriação. (Não exatamente nesta mesma ordem.) Os filhos chegam, e o que parecia fazer parte do passado, recomeça: choro, mamadeira, cocô, dente, escola, cursinho, faculdade e, de novo, o primeiro amor. Ah! Lá se vão os primeiros trinta!

Daí, você já tem diploma, carreira e família. Agora só falta provar a que veio. Nada satisfaz! Que coisa! O diploma não é nada sem aquela colocação, a carreira não é nada sem aquela casa, o carro não é nada se não for daquele tipo. Saudades da escola!

Os cinquenta chegam, e o circo das ilusões desmonta e despenca, monótono e cruel. Segurar o tempo! Mas como? Quanto? Quanto mais se segura, mais depressa ele escorre. Quando os sessenta batem à porta, a gente chega a pensar que o melhor já passou.

Mas ela concluía:
– É mentira! Uma baita mentira!

Que susto!

São os sessenta que desatam paixões, desembaraçam ilusões, desentulham pesos, desbancam todas as seguranças que sustentam o efêmero, dão consistência à existência. Sustança, entende, meu filho? Daí pra frente, nenhuma bobagem, nada pra depois.

Quem ganhou, ganhou. Quem perdeu, perdeu. As lágrimas lavam a alma. O riso alimenta o corpo. O amor pinta paredes. Alguma desilusão? Ervas amargas consertam o estômago. É nesse terreno que brota a esperança. Essa porteira só abre, nunca fecha. Quando ninguém espera nada, por não esperar, nada perde. Depois dos sessenta, a gente pode até dar “bom dia” a cavalo. Ninguém vai notar. Nos tornamos o que somos: livres.

– E tudo passa tão rápido, meu filho! Tão rápido! Água escorrendo pelos dedos.

Na vida, como no cinema, a luz sempre acende no fim. Deve ser bom sair da sala querendo assistir o mesmo filme.

Foi uma conversa da tarde, numa varanda, com bolo, queijo e café.

Depois ela morreu. Acendeu a luz do fim do filme. Saiu da sala. Havia vivido seus três trintas. As últimas palavras foram: Quero ver Deus. Tsss! Deus é que era doido pra ver … ela!

E o cafezal estava florido.

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