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21 de julho de 2015

POSSIBILIDADES OU EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO! – Renato Lobo



Vamos começar a conversa de hoje a partir de um cachorro. Um cachorro vive quantos
anos? Digamos que, por volta de, 15. Mas aí, com essa idade, ele já vai estar um ancião.
Sequer se levanta, às vezes, nem come mais. Vive 15 anos, é pouco, eu sei, mas jamais 16.
Vá lá que viva! Mas não vive 20. Ah! Isso, de jeito nenhum! Cachorro vive o que vive, morre o que morre, e só isso. É aquela a vida, aquele o tempo, e acabou.

Um humano.

Nossa! Quanta diferença! Aos 15 anos, o humano sequer sabe direito o que veio fazer por
aqui. Tirando uns apressadinhos, com 15 anos, o humano ainda nem procriou. Em
compensação, com a mesma idade, o cachorro já é trisavô de uma comunidade canina
incapaz até de ser recenseada.

Tem mais. Há quem diga que fomos biologicamente programados para viver 30 anos É, só
30! Com 15, a biologia nos deixou aptos a procriar. Aos 30, nossa cria já procriou. Finita la
commedia!

Ah! Mas, é claro, a gente não se conformou com esses minguados 30 anos, e quis mais.
Dobrou. Passou a viver 60. Imagine um cachorro com 30 anos! Pois é: a gente passou a
viver 60. E depois, deu mais um jeito e alcançou os 90. E já andam falando em 120! Pra
quê? Então, essa é a questão!

Um cachorro não tem como nem por que viver mais do que vive. O que é que ele vá fazer
aos 20, que não tenha feito aos 15? Aos 20 anos, um cachorro vai continuar procriando,
fazendo xixi no poste e correndo atrás de carro, igualzinho fazia aos 5, aos 10, aos 15.
Diferença alguma! Então, realmente, pra que um cachorro precisaria viver mais do que já tem para viver? Que diferença faria? Em quê sua vida seria alterada a não ser no peso da idade?

Para o humano, não, pra ele faz toda diferença. Aos 15, aos 30, aos 60, aos 90 ele é,
exatamente, o que sempre foi, o que sempre disse de si mesmo que era e que seria. Mas em cada um desses momentos, quanta diferença!

Aos 15 ele já estava pronto para muitos assuntos, inclusive, para começar a querer saber o
que pretendia fazer no restante da vida. Mas, ao mesmo tempo, era completamente cru para o restante das coisas, na verdade, para quase tudo. Aos 30, bem, aí ele já ficou pronto, já sabe o que quer, já passou pela faculdade, ou não, já trabalha, ou não. Mas já pôs o trem
nos trilhos. Ou não. O fato é, aos 30, ele já sabe o que tem de saber.

Quando alcançar os 60, tudo o que devia ser sabido, já está. Tudo o que devia ser feito,
também. Casamentos, filhos, netos, faculdades profissões, compras, vendas, viagens,
saberes, sabores, tudo no plural. Aos 60 anos, não cabe mais o singular dos 15. Aos 15, tudo
é no singular. Aos 60, espera-se tudo no plural. Porque aos 60, a vida é plural.
Mas basta? Quem disse? A gente quer mais. Sempre mais. Porque querer mais é o
passatempo humano – eternamente insatisfeito, porque nunca pronto.

Aos 60, a conquista da pluralidade aumenta as possibilidades. Você já perguntou ao seu
cachorro o que falta à vida dele, ou o que foi que ele ainda não fez e que ficou no sonho para
um dia fazer? Doideira, né! Ao cachorro só cabe a aspiração de abanar o rabo toda vez que
você chegar. Um cachorro desconhece a palavra possibilidades, porque, na verdade, não lhe
cabe ter possibilidades. Ou cabe, sei lá, mas quantas? 10, 20, 30 possibilidades? 30
possibilidades para um cachorro, exige várias reencarnações, caso cachorros reencarnem.
E você? Quantas possibilidades você tem? Quantas, já inventariou? 30? 60? 90? Uma para
cada ano de vida?

De minha parte, eu espero viver 99 anos, porque 100, eu acho muito! Mas não quero ter
apenas 99 possibilidades. Mesmo que eu não vá vivê-las. Claro que não! Ainda que seja
impossível experimentá-las. Óbvio que não! Mas eu quero a possibilidade de ter todas as
possibilidades que ousar ter. Não suporto a ideia de não ter. E me recuso abrir mão delas.
Eu quero todas as minhas possibilidades de ter possibilidades, porque elas são minhas, e me pertencem. E por uma única razão: eu sou humano. Eu não sou cachorro, não!

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