Depois que tia Cotinha enviuvou (O Barbosa, coitado, que Deus o tenha, foi só morrendo) nunca mais quis saber de homem dentro de casa. O Barbosa fora um bom marido, mas... “Casamento – dizia ela – era um só. Se foi muito bom, a gente não repete; se não foi, não quer nem passar perto.” E vivia feliz a sua viuvez, amparada por um pecúlio do Banco da Lavoura, que o Barbosa lhe tinha deixado. Viajava! Andava pra lá e pra cá! Vivia bem: Como Deus é louvado! - exclamava.
Um dia, antes do Barbosa ir-se dessa, bateu-lhe à porta a Sebastiana. Entrou e nunca mais saiu. Sebastiana não era o que comumente se chama de empregada. Ah, de jeito nenhum! Era mais, muito mais. Era praticamente a dona da casa. Era ela quem definia os lugares à mesa, respeitando o de tia Cotinha, claro. Era ela quem dispunha a geografia dos móveis. Era ela quem determinava o cardápio do dia. Era ela quem atendia o telefone, solenemente:
-Casa da Dona Cotinha. Quem é daí?
E quando tia Cotinha inventava de mandá-la fazer alguma coisa que não fosse do seu agra-do, saía resmungando: “Pelos santos se beijam as pedras!” Tia Cotinha era da paz, minto, tia Cotinha era a paz. Bem capaz de fazer conta de ouvir os resmungos de Sebastiana! Catava logo o seu crochê e ia esquentar o pé num rainho de sol que entrasse da janela. E assim passavam-se os dias.
Se Sebastiana ficava muito desaforada e o Barbosa ainda fosse vivo, vez em quando, tia Cotinha arvorava-se num destempero de incomodação e dava de ir reclamar ao marido, instância suprema.
-Ainda mando Sebastiana embora!
E o Barbosa, quando muito, respondia sem virar a cabeça:
-Quem mandou dá artura?
E assim passavam-se os dias.
Mas o melhor da história – guardo pro fim – foi quando Sebastiana chegou. Veio de Piranguinho, bem moça, pedir emprego e alojamento. Tia Cotinha logo foi com a cara dela, e quis saber tudo: gostos, nominações, procedências e afins. Sebastiana contou tudo, timtimportim-tim, só não quis dizer o nome.
-Meu nome é muito feio, dona!
-Ara seja, se existe nome feio! Nome feio é outra coisa.
Mas Sebastiana não disse. Era pra chamar só pelo apelido: Quinha. E durante a primeira semana, foi assim que se fez: Quinha pra lá, Quinha pra cá...
O Barbosa (que Deus o tenha!) não gostou daquilo. Ah, se era coisa de botar moça para dentro de casa sem nem saber o nome! Chamou a Quinha e enquadrou:
-Minha filha, cadê seu nome? Não tem jeito de ficar aqui sem a gente saber do nome.
-Mas meu nome é muito feio, seu Brabosa!
-Não interessa, vê lá se pode! Não existe nome feio. Diga já o seu nome!
Muito a contragosto, encolhida que nem passarinho pingando, Sebastiana confessou em voz baixa, quase soletrando:
-Meu nome é Sebastiana.
-Tão vendo?
E o Barbosa abriu os braços, solene, pra todo mundo na sala, garboso da sua conquista.
-Sebastiana não é nome feio!
Que parasse por aí. Mas foi aí que derrapou:
-Pior se fosse Raimunda!
E o nome dela era Sebastiana Raimunda.
Paro aqui, ou continuo? Melhor parar. Senão me acontece o mesmo do Barbosa!
Já ia esquecendo de dizer que tia Cotinha não era nem tia nem Cotinha. O nome, nunca soube. E tia também não era. Mas foi assim que acabou sendo e, por lá, isso era lei.
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