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30 de agosto de 2010

GARBOSO – Renato Lôbo

No sítio de papai vivia um cavalo baio de excelente qualidade e grandes procedências que atendia pelo nome de Garboso. Observem: ele não se chamava garboso, ele apenas atendi-a. Não tinha a capacidade de se chamar, como todo mundo, mas faltou pouco. Garboso não era propriamente o que se poderia chamar de cavalo. Se gostava de quem fosse, gostava. Mas se não gostasse, não fazia a menor questão de aparências. Implicava e acabou.

De sorte que a implicância de Garboso com minha avó vinha de longe. Aliás, nem precisava muito para qualquer um se implicar com ela, inclusive o cavalo. Não que fosse inóspita a qualquer relação humana ou animal. Até que não. Mas ela era muito pão-pão, queijo-queijo, e isso, sem dúvida, dificultava em muito o milagre da transformação de água em vinho, como o é o das relações humanas. Relacionar-se é coisa pra santo, não qualquer um nem qualquer santo, mas pra santo milagreiro, taumaturgo, desses dos bons: do tipo Santo Antonio, pra citar um.

Um bom exemplo dos melindres dela no tocante ao assunto era quando a criançada inventava de ir jogar bola na rua e – onde já se viu? - logo em frente à casa dela. Lá, de dentro ela avisava: “Se cair aqui, furo”. Imagine se não furava? Da bola, voltavam trapos. Essa era o desafeto de Garboso.

De volta a ele...

Vinha, um dia, passeando seu belo rabo e formosa crina pra lá e pra cá, roendo o resto de uma espiga de milho, feliz da vida de cavalo, sem nada pra fazer. (Realmente, não havia nada para fazer!) Não era dia de trabalho duro. Não era hora de amarrar o pobre animal. Não estava armando chuva. Que ficasse lá! Mas minha avó, que Deus a tenha, quando enfiava uma coisa na cabeça, era melhor não contrariar. Teimou porque teimou que o cavalo tinha de ficar amarrado à porteira. Foi lá, e prendeu.

Pacientemente, o animal cedeu. Não armou nenhuma represália, nenhum gesto de enfastio pela desordem que a sorte lhe provocara, sequer um relinchãozinho. Deixou-se conduzir e prender como ovelha mansa que caminha para o matadouro. Mas, olhou à frente, mirou a porteira e calculou: pela direção do passo em que iam, ele, o cavalo Garboso sabia exatamente aonde iam dar e qual seria o seu ancoradouro. E foi, exatamente, lá, que o cálculo milimétrico de Garboso o conduziu. Coisa pra deixar de boca aberta muito matemático e mestre-de-obra experiente, afeito a calcular na ponta do olho. Foi ficar de pose de cavalo, exatamente e como houvera calculado, encostado à roseira de Santa Teresinha, florida do pé à cabeça, ao lado da porteira. Um mimo, o orgulho da minha avó.

Preciso contar o resto?

Foi aí que Garboso concluiu a saga que havia planejado pelo caminho, quando, sem denotar o menor aborrecimento, lá se foi, como se o que lhe fizessem fosse exatamente o que ele esperasse e, mais, adorasse ser feito. Picou, galho por galho, folha por folha, flor por flor a roseira de Santa Teresinha, florida do pé à cabeça, imagine, o luxo da minha avó. Depenou cada galho de espinho mole, como se faz com galinha morta em água quente. Sapateou em cima. Arrematou com o requinte de morder o pé até em baixo, porque isso funciona que nem mordedura de bode: nunca mais haveria de sair dali um brotinho sequer.

Pensam que comeu? E cavalo come rosa? Cuspiu, solenemente, como manda a liturgia (já que se tratava de roseira de santa), cada galho que arrancou, cada folha que picou, cada flor que desfolhou. Assim, sem dó nem piedade. Forrou o chão e deixou a frente da porteira atapetada de verde-rosa, mais enfeitada que rua de procissão.

Não fazia a menor idéia do feito, até porque cavalo tem a seu favor o dom inato de não fazer a menor idéia de nada, muito menos de se culpar feito os humanos. O escarcéu provocado pela minha avó quando o fosse desamarrar da prisão, à qual ela mesma lhe havia imposto sem nenhum merecimento por parte dele, é mister não declarar. Dito pelo não dito, papai a-penas comentou:

- Foi mexer com quem tava quieto!

E Garboso ficou pelo pasto, luxuriento em sua preciosidade de pêlo baio e crina loura, curtindo o sol da tarde que caía atrás da serra, solto no pasto, vitorioso e feliz por mais um dia cumprido à altura de se fazer colega da vida. Pois a vida, essa sim, sabe elaborar suas vingaçãozinhas... como ninguém.

Um comentário:

Unknown disse...

Saudades de meu PAI que está aqui...

.......

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