De todas as visitas dos passantes, sem a menor sombra de dúvida, a que mais interesse suscitava e que até à espera minha mãe esperava era a passagem, paragem e permanência do sobrinho querido, o Zé da tia Mirinda. Seria uma desfeita sem atitude se ele, passando por ali, não apeasse para uma piada, uma conversa, ou um sofisticado diálogo entre líder e partidária. Sim, porque minha mãe era a maior fã, a maior partidária, a maior propagandista, cabo eleitoral número 0001 dele. Freqüentemente, ficava ele de pé do lado de fora, e ela, de pé, debruçada na mureta de porcelana amarela, do lado de dentro.
- Entra, Zé!
- Não, tia, to com pressa.
- Entra, Zé!
- Não, tia, to com pressa.
- Entra, Zé!
- Ta bom, tia...
Subia.
Mas se subia ao alpendre era só depois da terceira ou quarta insistência, pois isso fazia par-te do protocolo do cerimonial. E ali ficavam, confabulando altas políticas e altíssimas inconfidências, indo e vindo da sede da prefeitura ao palácio do planalto, nas asas do pensamento. Pensar pode! Quanta eleição foi vencida naquele alpendre, e quanto desafeto político foi dali defenestrado. Muito prefeito, governador, presidente foi colocado, deslocado, relocado, retocado, empossado e impedido. Nem no Senado Federal referiu-se com tamanha seriedade aos assuntos da República. Nem na mais emboscada conspiração haveria maior cumplicidade do que ali, daqueles dois, sobrinho e tia.
O alpendre era uma sede de governo, ou melhor, era uma plataforma de governo, ou melhor, era um palanque. Era isso: o alpendre da curva era um palanque. E era daquele mirante privilegiado que o Zé distribuía algum tempo das tardes de domingo, admirando um pedaço da administração municipal – recostado à mureta – recebendo cumprimentos e espalhando saudações.
- ‘Tarde, sô Zé!
- Boa tarde! – Respondia em voz radiofônica.
- Tarde, Dona! Como vai Seu...?
- Pescando...
- E a sinhora?
- Como Deus é louvado!
Vez ou outra aconteciam ajuntamentos populares e ali mesmo havia despachos municipais, declarações de apoio, tomadas de decisão, ruminações sem nenhum alvitre ou demais pendências de teor aleatório. Tudo, de bom começo e quase sem nenhum fim. É que era só pra ter começo. Do fim, a vida se encarrega. E enfim, não seria muito exagero se eu afirmasse que nesse bom quarto de hora, o alpendre era, praticamente, alçado à sala do trono.
Vai daí que, um dia, atravessa a curva da rua, advindo das bandas de Candelária, nada mais nada menos que o Joaquim Nunes. Ele e a Tereza desfilavam pelas ruas sempre com mesma indumentária e as mesmas guarnições: chapéu, embornal e guarda-chuva. Nem menos um nem menos outro. Nesse dia, apenas Joaquim resfolegava pela subida, encadernado dos mesmos citados paramentos.
O Zé, que perdia o amigo, mas não perdia a piada, imediatamente alcançou o Joaquim na altura de parabenizá-lo pela chegada de mais um rebento. Era um presente!
- Então, Joaquim, apareceu mais um herdeiro por lá!
Sem Tereza, o Joaquim não alterou o passo nem abalou a intenção. Apenas desviou o rumo, esgueirou-se pela meia dúzia ali apinhada, abeirou-se da mureta de porcelana amarela, chegou-se bem perto e soltou o flato:
-Seu Zé! Pode até ser obra de Deus ou milagre do Divino Espírito Santo... mas meu é que não é, não!
Alpendre saudoso, saudoso alpendre!
2 comentários:
Renatinho e seus causos. Adoro!
Renato, maravilhosas suas cronicas!
Fátima da Tereza Moraes
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