(Publicado no Jornal
“Villa Braz”, de 11/03/1917
Pouca
gente sabe que há, a uma légua desta vila, no bairro do Paiol Velho, uma
galeria subterrânea de cerca de cem metros e situada a uns duzentos metros da estrada
de rodagem.
Pouco
distante da casa de morada do Sr. Antônio Machado de Sousa, no pasto da sua
fazenda existe uma abertura de uns três metros de profundidade, no fundo do
qual começa a galeria, que se dirige no sentido da declividade do terreno.
Há
uns vinte anos, passando por lá, tentamos penetrar na mesma, mas a grande
quantidade de morcegos que lá habitavam apagava, com o movimento de ar
produzido pelo seu vôo, os fósforos que a procurávamos iluminar, o que nos
obrigou a desistir do intento.
Agora,
dispondo de um dia de folga, resolvemos fazer nova tentativa, e, obtida a
licença do proprietário da fazenda, para lá nos dirigimos, munidos dos
necessários apetrechos, como fósforos, velas, bolas, etc.
Com
o Sr. Machado, que se animou a acompanhar-nos, penetramos na misteriosa
galeria. Mal transpusemos a entrada, um bando de morcegos fazia um ruído
ensurdecedor, ora avançando para nós; a vela que levávamos dificilmente se
mantinham acesa. À nossa frente seguiam alguns sapos alongando-se para o
subterrâneo. Pelas paredes enormes aranhas infundiam terror. À medida que
avançávamos, ia aumentando o barulho dos morcegos que pareciam opor-se à nossa
entrada. Alguns deles, porém, perdendo o medo, mantinham-se suspensos ao teto,
de cabeça para baixo, na sua posição natural de descanso. Assim andamos algumas
dezenas de metros, até não virmos mais a luz do dia.
A vinte
ou 30 metros da entrada, há uma ramificação obstruída do lado direito. Não
pudemos ir além, porque a escavação se torna demasiado estreita e baixa, mal
cabendo um homem, e a sua parte inferior apresentou-se coberto d’água, que em
certos pontos subia 20 centímetros de altura.
Deliberamos
voltar. Percorremo-la em sentido inverso e saímos por onde havíamos entrado.
Informou-nos
o Sr. Machado, que se encontrava um respiradouro da galeria cinquenta metros
abaixo do ponto inicial. Para lá nos dirigimos e deparamos uma abertura
circular de três metros de diâmetro e três
de fundura, em cuja parte inferior superior se via a continuação do túnel.
Penetramos alguns metros nas duas direções opostas, encontrando sempre
morcegos, sapos e aranhas.
Descendo
mais, patenteia-se a saída do subterrâneo, à beira de um barranco, à margem de
um córrego. Nesta parte é muito difícil a entrada de um homem. Conseguimos,
após muita insistência, que um cão
entrasse no túnel e o percorresse em sentido ascendente, indo sair no
respiradouro a que nos referimos.
Os
mais antigos moradores do lugar já encontraram
a dita galeria no mesmo estado em que até hoje está; mas ninguém sabe a sua
origem.
Qual
foi ela?
Podem
se formular três hipóteses.
A primeira
é que aquele túnel foi cavado por criminosos para facilitar sua fuga, caso
fossem descobertos e atacados. Como é sabido o Sul de Minas era, até há cento e
tantos anos, habitado unicamente por bandidos. Os povoadores tiveram que prossegui-los
e expulsá-los para se apoderarem das terras. Era natural, pois, que eles procurassem
meios de defesa que os pusessem a coberto de uma surpresa.
A segunda
hipótese, semelhante à primeira, é ter sido o subterrâneo por negros foragidos.
A terceira,
enfim, consiste na suposição de haver sido aberto pelos aborígenes. Estes poderiam
tê-lo feito com fins defensivos. Mas não é de todo impossível que tivesse um
fim religioso. Como refere José de Alencar, no romance Iracema, os pajés
construíam suas cabanas sobre as extremidades de subterrâneos semelhantes, e
quando tinham a necessidade de impor sua autoridade, destapavam a respectiva
abertura e deslumbravam a imaginação
supersticiosa dos autóctones com o som emanado das entranhas da terra, o
que eles diziam ser a terra de Tupã.
Tais
galerias existem em vários pontos do território brasileiro.
Mas
a lenda de José de Alencar sobre elas apresenta certas dificuldades para ter
tida por verdadeira. Antes de tudo era preciso que os indígenas ignorassem a
existência dos subterrâneos, aliás, estes perderiam todo o valor. Só deveriam
ser conhecido dos Pajés. Mas sendo estes mais velhos e poucos em cada tribo,
como poderiam empreender sozinhos e às ocultas, trabalhos de tamanho vulto?
Onde poderiam a terra escavada?
Como
quer que seja, a verdade é que existe esta galeria subterrânea nas vizinhanças
desta Vila, bem como existem outras à margem do Rio Verde, nas proximidades da Estação
de Itanhandu, segundo narra nosso amigo Sr. Joaquim A. Campos Silva, as últimas
já foram objetos de uma expedição, mas os exploradores nada mais encontraram
senão cacos de louças.
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