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6 de fevereiro de 2014

O SUBTERRÂNEO DO PAIOL VELHO – Sebastião Gomes



(Publicado no Jornal “Villa Braz”, de 11/03/1917

Pouca gente sabe que há, a uma légua desta vila, no bairro do Paiol Velho, uma galeria subterrânea de cerca de cem metros e situada a uns duzentos metros da estrada de rodagem.
Pouco distante da casa de morada do Sr. Antônio Machado de Sousa, no pasto da sua fazenda existe uma abertura de uns três metros de profundidade, no fundo do qual começa a galeria, que se dirige no sentido da declividade do terreno.
Há uns vinte anos, passando por lá, tentamos penetrar na mesma, mas a grande quantidade de morcegos que lá habitavam apagava, com o movimento de ar produzido pelo seu vôo, os fósforos que a procurávamos iluminar, o que nos obrigou a desistir do intento.
Agora, dispondo de um dia de folga, resolvemos fazer nova tentativa, e, obtida a licença do proprietário da fazenda, para lá nos dirigimos, munidos dos necessários apetrechos, como fósforos, velas, bolas, etc.
Com o Sr. Machado, que se animou a acompanhar-nos, penetramos na misteriosa galeria. Mal transpusemos a entrada, um bando de morcegos fazia um ruído ensurdecedor, ora avançando para nós; a vela que levávamos dificilmente se mantinham acesa. À nossa frente seguiam alguns sapos alongando-se para o subterrâneo. Pelas paredes enormes aranhas infundiam terror. À medida que avançávamos, ia aumentando o barulho dos morcegos que pareciam opor-se à nossa entrada. Alguns deles, porém, perdendo o medo, mantinham-se suspensos ao teto, de cabeça para baixo, na sua posição natural de descanso. Assim andamos algumas dezenas de metros, até não virmos mais a luz do dia.
A vinte ou 30 metros da entrada, há uma ramificação obstruída do lado direito. Não pudemos ir além, porque a escavação se torna demasiado estreita e baixa, mal cabendo um homem, e a sua parte inferior apresentou-se coberto d’água, que em certos pontos subia 20 centímetros de altura.
Deliberamos voltar. Percorremo-la em sentido inverso e saímos por onde havíamos entrado.
Informou-nos o Sr. Machado, que se encontrava um respiradouro da galeria cinquenta metros abaixo do ponto inicial. Para lá nos dirigimos e deparamos uma abertura circular  de três metros de diâmetro e três de fundura, em cuja parte inferior superior se via a continuação do túnel. Penetramos alguns metros nas duas direções opostas, encontrando sempre morcegos, sapos e aranhas.
Descendo mais, patenteia-se a saída do subterrâneo, à beira de um barranco, à margem de um córrego. Nesta parte é muito difícil a entrada de um homem. Conseguimos, após muita insistência,  que um cão entrasse no túnel e o percorresse em sentido ascendente, indo sair no respiradouro a que nos referimos.
Os mais antigos moradores do lugar  já encontraram a dita galeria no mesmo estado em que até hoje está; mas ninguém sabe a sua origem.
Qual foi ela?
Podem se formular três hipóteses.
A primeira é que aquele túnel foi cavado por criminosos para facilitar sua fuga, caso fossem descobertos e atacados. Como é sabido o Sul de Minas era, até há cento e tantos anos, habitado unicamente por bandidos. Os povoadores tiveram que prossegui-los e expulsá-los para se apoderarem das terras. Era natural, pois, que eles procurassem meios de defesa que os pusessem a coberto de uma surpresa.
A segunda hipótese, semelhante à primeira, é ter sido o subterrâneo por negros foragidos.
A terceira, enfim, consiste na suposição de haver sido aberto pelos aborígenes. Estes poderiam tê-lo feito com fins defensivos. Mas não é de todo impossível que tivesse um fim religioso. Como refere José de Alencar, no romance Iracema, os pajés construíam suas cabanas sobre as extremidades de subterrâneos semelhantes, e quando tinham a necessidade de impor sua autoridade, destapavam a respectiva abertura e deslumbravam a imaginação  supersticiosa dos autóctones com o som emanado das entranhas da terra, o que eles diziam ser a terra de Tupã.
Tais galerias existem em vários pontos do território brasileiro.
Mas a lenda de José de Alencar sobre elas apresenta certas dificuldades para ter tida por verdadeira. Antes de tudo era preciso que os indígenas ignorassem a existência dos subterrâneos, aliás, estes perderiam todo o valor. Só deveriam ser conhecido dos Pajés. Mas sendo estes mais velhos e poucos em cada tribo, como poderiam empreender sozinhos e às ocultas, trabalhos de tamanho vulto? Onde poderiam a terra escavada?
Como quer que seja, a verdade é que existe esta galeria subterrânea nas vizinhanças desta Vila, bem como existem outras à margem do Rio Verde, nas proximidades da Estação de Itanhandu, segundo narra nosso amigo Sr. Joaquim A. Campos Silva, as últimas já foram objetos de uma expedição, mas os exploradores nada mais encontraram senão cacos de louças.

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