Imagino como seja
uma reunião do Conselho de Política Monetária, vulgo Copom, ou do Conselho
Monetário Nacional, ou de quejando Conselho, no garboso prédio do Banco
Central, lá no Planalto não menos Central, sob a distante, mas nem por isso
desatenta vigilância de efiemeís e bancos mundiais e – last
but not least – secretários do tesouro de nações amigas, mui amigas. O presidente
sei lá de quê, impavidamente sentado à cabeceira da comprida mesa de mogno com
tampo de vidro, estira-se enfatuado, forçando para trás o espaldar da poltrona
de couro acolchoada, coça a careca, limpa as unhas entediado e anuncia solene:
– Senhores,
reunimo-nos para apreciar suas justas reivindicações tarifárias.
Um dos ilustres
senhores invocados, e antes convocados, calva lustrosa e basto bigode
embranquecido caindo pelo beiço, já se anima, ponderando:
– Sim, Excelência,
justíssimas. Como sabe Vossa Excelência, a vida, neste período
pós-inflacionário, tem sido dura para os sacrificados banqueiros. Imagine Vossa
Excelência que nossos ganhos, que já eram parcos, mesmo com a necessária
instituição das tarifas de remuneração dos serviços bancários, despencaram de
três mil, quatrocentos e um para três mil trezentos e noventa e nove por cento!
– E exibe calhamaços de estatística. – Quem pode sobreviver com tamanha perda?
Isso desestimula qualquer investimento.
Outro impoluto
senhor, de trás da elegância de uma gravata de seda com a grife Armani, limpa a
garganta e interfere, enquanto bafeja as lentes dos óculos:
– Além disso,
Senhor Presidente, hão de ser considerados os enormes gastos que tivemos para a
obtenção de recursos a juros negativos, opa, perdão, ato falho!, a juros
subsidiados, quero dizer, a juros extorsivos, isto, extorsivos, estipulados
pelo Beene Não Sei Das Quantas, quando da privatização dos bancos oficiais!
Entre subitamente
interessado e ainda sonolento, o Senhor Presidente cofia a barba e esboça
tímida reação:
– Não obstante
compreenda e entenda justas suas reivindicações, devo objetar aos senhores que
já instituímos todas e quaisquer tarifas imaginadas aos mais variados pretextos,
ou melhor, títulos. Por exemplo: o correntista paga tarifa pela manutenção de
sua conta, ou seja, paga para que os senhores tenham o trabalho (insano, reconheço)
de lhe usar o dinheiro, investindo, investindo, fazendo dinheiro parir (opa,
perdão!) dinheiro, rechonchudo bebê chamado juros da dívida pública, que só os
senhores abiscoitam; paga tarifa para retirar seu próprio dinheiro no caixa
eletrônico; paga outra para transferir seu dinheiro para a conta de seu credor;
paga outra para ter um talão de cheques; mais uma por cheque emitido além de
sua cota de um e meio por ano (como é que os senhores entendam que seja meio
cheque eu não sei nem aprendi na Universidade de Harvard!); paga mais uma por
título ou imposto ou contribuição que pague no guichê ou no caixa eletrônico,
ou seja, paga para pagar... E assim vai. Minha imaginação criadora, senhores,
tem limite. A que outro pretexto, quero dizer, título, poderíamos criar mais
tarifas?
– É, tá difícil –
deixa escapar outro perfumado senhor, de dentro do impecável terno de casimira
inglesa.
– Difícil o caramba
(ele quase diz outra coisa)! – revolta-se outro senhor, brandindo a caneta Mont Blanc cor de vinho e olhando por cima dos óculos de
leitura, de armação de ouro maciço. – Eu tenho uma excelente ideia – continua,
acalmando-se. E dirigindo-se agora respeitoso ao Presidente: – Vossa Excelência
bem sabe que nosso país é signatário de tratados internacionais contra a
poluição ambiental. Pois bem, nossos funcionários, poucos, é verdade, pois que
os substituímos quase todos por computadores e terminais e eticétera e tal,
nossos funcionários, dizia, se queixam de que os clientes têm abusado de nossos
ambientes refrigerados, emitindo flatos nas agências, veja só!
– Flatos? – indaga
incrédulo, ajeitando a lapela do paletó, o educadíssimo Ministro, que até então
se mantivera calado e observante.
– Sim, Excelência –
intervém pronto, em auxílio do colega, outro empertigado senhor de cabelos
grisalhos repartidos ao meio e caindo pelas têmporas –, flatos, traques, puns.
Ou, se Vossa Excelência preferir... não sei se posso ou devo dizê-lo...
– Não! –
interrompe-o o Ministro. – Não o diga, eu não prefiro nada! – E queda finalmente,
pensativo e meditabundo, no anterior mutismo.
– Pois bem –
prossegue o senhor a olhar por cima das lentes e do ouro maciço –, em nome até
da luta contra a poluição ambiental, proteção da camada de ozônio, essas
coisas, poderíamos instituir a tarifa anti-flato. Ou anti-pum, como prefiram.
Assim: a cada traque estourado ou soprado (e a tarifa seria maior ou menor
segundo se tratasse daquela ou desta modalidade), fedorento ou não, o cliente
pagaria uma tarifa progressiva: um pum, três reais e cinqüenta e nove centavos;
dois puns, sete reais e dezoito centavos; e assim por diante. Seria, veja bem,
Senhor Presidente, veja bem, Senhor Ministro – entusiasma-se, gesticulando e
alteando a voz –, uma tarifa em prol da humanidade! Instituída pela magnanimidade
dos banqueiros!
– É, parece justo.
Engenhoso, pelo menos – sai outra vez de seu silêncio o penteado Ministro,
assentindo e coçando o queixo escanhoado.
E o Presidente, que
com ele a propósito de tudo concorda, pois que não é besta de perder seu cargo,
seu poder, sua influência e seu futuro na iniciativa privada, outra vez solene
anuncia:
– Considera-se
criada a tarifa anti-flato. Secretário, lavre a ata. E não se esqueça de
publicar no Diário Oficial. Está encerrada a sessão, senhores.
Três dias depois,
lá no interior de Minas, Dagoberto, depois de nada entender das explicações do
gerente acerca de tarifas debitadas (duas palavras mais distantes de seu pobre
vocabulário que o paradeiro das botas de Judas) em sua conta corrente, de
repente reduzida ao um centavo suficiente para que não fosse encerrada, saía da
agência manquitolante, arrastando perna atrofiada e bengala de segunda mão
resultantes do derrame que lhe rendera a magra aposentadoria mensal; e apenas
se lembrando, por simples associação de ideias, elaborada a partir da visão da
cara de nojo da caixa, mocinha tão bonitinha mas entojadinha, de que dois dias
antes ali mesmo estivera, quando amargava tumultuosa e rumorosa revolução
intestinal, provocada certamente pelo abuso do arroz com repolho caprichado na
véspera por sua velha.
Rio
de Janeiro, 29/08/2002
2 comentários:
Tá bão então. Enquanto isso numa escola,dessas municipais sem eira nem beira e do jeito que o povo brasileiro merece,uma professora pergunta ao aluno de 10 anos: O que é partido político? ele responde sem piscar e na ponta da lingua: É um bando de gente roubando o dinheiro do Brasil.Oh dona,Quando minha mãe compra o remédio,lá em casa falta até arroz.A professora comentou: parabéns vcs estão se politizando.
´, como mudar!! quadro triste, descrédito total em tudo, mas os milhões de votantes não sabem nada estão nos agrestes escondidos, esperando o grande dia da eleição, porque os governantes governam pra eles(coitados )e os políticos roubando descaradamente e juram inocência.Deus salve o Brasil!
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