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16 de junho de 2015

RELEMBRANDO O DIA 16 DE JUNHO DE 2010: À MEMÓRIA DO PROFESSOR


Passos tardos...
Alguém que passa!
Um senhor de estatura mediana, cabelos vastos, levemente grisalhos, óculos claros, simplicidade cativante; o olhar baixo no disfarce da fulgurante intelectualidade que extravasava em sua humilde pessoa.
Dói-me tomar a pena e delinear, num misto de pranto e saudades, a imagem do meu falecido mestre, professor Antonio de Oliveira Noronha.
Lembrança dos bancos escolares, onde tive com ele os primeiros rudimentos do vernáculo.
Parece-me vê-lo novamente agora, sentado a um canto da sala, tirando longas baforadas do seu “Pullman”, sendo envolto pelo fumo cinzento, circunscrito ao derredor.
Mestre inolvidável, sagaz e psicólogo profundo, deslindava com exatidão os problemas mais inextricáveis concernentes ao idioma Pátrio.
Ministrou também aulas de Ciências Naturais da qual era profundo conhecedor e apaixonado estudioso.
Quantas vezes vira-o, de cócoras, e num olhar acurado, observar uma planta encravada pelos calçamentos.
E daí lhe vinha logo o nome específico designado pela ciência...
À repreensão não conhecia outra voz senão a de amizade, que seria a um mesmo tempo de conselho.
Muitos o desconheceram no integral valor de sua inteligência e realizações; seu proceder fazia-o quase ignorado, (talvez não achasse fazer jus às aspirações mais elevadas) dando-lhe uma vida rotineira, sem fazê-lo pensar em grandezas ou apoteoses, através de suas resplandecentes e líricas páginas de poesia, cantantes como a água de sonora fonte, em jorros sutis; de nuanças maravilhosas, tal qual velhas baladas de amor...
_ Integridade moral e personalidade marcante definiam sua pessoa; exemplar, de ações e fineza de caráter.
Exímio esteta, autor de “Tapera!, “ Só Isto”, “Malva”, para não citar a vastidão de suas criações, transcendentais em sentimentalismo.
“Tapera”...
Casebre abandonado, somente ervas daninhas o cercam no desconsolo das horas de amargar.
Perfeita analogia desse casebre nos é feita com o coração humano.
Onde também houvera amor, hoje são as lembranças amargas.
“Só Isto”...
O homem que repousa o sono esterno, na tumba gélida, e que por companheiros quer apenas “um pé de saudades, um cipreste e uma cruz”, plantados à cabeceira da última moradia.
Rezem também sobre o meu pó!...
“Malva”...
Soneto de maravilhoso e inebriante sentimento íntimo, de rara expressão verbal, traduzindo em merencória forma, aquele amor cujo viço se esvaiu, mas restando ainda a saudade, a perpetuar sempre nos corações, aquilo que de último ficou das ilusões.
Escreveu ainda diversas peças teatrais, de fino humor, sátiras perfeitas, porém de perceptível sagacidade e elevado teor artístico.
Foi, embora poucos o saibam, músico de perspicaz sensibilidade, fazendo vibrar nas cordas de seu bandolim estro, enternecedor buscado no recesso d’alma.
Dessa alma generosa, que sabia amar a vida, as agruras, que sabia sorrir aos infortúnios e se alimentava das tardes mornas, em que cerúleas pinceladas do sol poente fazia-o derramar rebuscadas frases poéticas, sentimentos rasgados nesses instantes sublimes em que o êxtase e a agonia nos fazem umedecer os olhos, róridos pela harmonia dos momentos vividos.
Era a alma que vivia com a intensidade dos sentimentos e em verdadeiros clarões do gênio que era, embebia em sôfregos versos a noite de breu, o pálido luar a beijar os outeiros, as lantejoulas rutilantes dispersas na imensidão sideral. Como me plangem as fibras íntimas ao relembrá-lo!
Morte!
A manifestação mais rude e incompreensível do Altíssimo, que em espasmos últimos faz sucumbir aquilo que de mais precioso guardamos: a existência.
_Quantas vezes vira-o, em trajes que o tornavam mais irreconhecível, com um chapelão de palhinha, samburá e caniço pendentes no ombro.
Lá ia o professor pela tarde esvanescente, procurar no silêncio das ribeiras o entretenimento que tanto o aprazia: a pescaria.
No escondido das capitubas, ou entre o denso da vegetação, onde corressem remansosas as águas, se encontrava o Professor Noronha.
Aí passava horas de sua vida, apreciando gárrulas aves ribeirinhas em farândolas pela vegetação aquática, ou aquelas enormes borboletas azuis em nervosas tarantelas, debruando em vistoso matiz sobre a superfície líquida.
Afinal, por que lembrar?
Nem o deveria; as cicatrizes são amostras de males ainda não de todo curados...
E quanto mais lembramos, mais elas se abrem e tornam a sangrar...
Fora ainda apreciador incondicional da arte cinematográfica e rara a noite em que, juntos, não conversávamos sobre melodramas ou policiais, ouvindo atento, a profundeza analítica e o senso crítico por ele apresentados.
Professor, mais um natalício seria transposto por vós nessa quinta-feira p.p. e eu, desejaria de viva voz parabenizar-vos.
Infelizmente já não pertence a esta vida, mas hei sempre de lembrar-me daquele mestre cuja sapiência e conhecimentos fez legar numa demonstração de perfeito entrosamento humanitário e condigno a quantos o ouviram.
Nada mais direi!
Só isto!...
Beijarei também vossa cruz; rezarei também sobre o vosso pó...
Só isto fará diferença...
POR : X’.

(Artigo publicado no jornal “ Brazópolis” em 08.06.1969)

Um comentário:

Rosa Noronha disse...

Fátima, muito obrigada por homenagear esta linda figura que por três anos apenas esteve fisicamente presente em minha existência, embora, tenho certeza, como pai e como amigo, espiritualmente, esteja sempre ao meu lado!

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