Como invejo aqueles
que precisam de tão pouco para falarem de si. Basta encontrá-los num café, de
sopetão, perguntar como vão, e quando nos damos conta, a pessoa já nos contou
seus segredos mais íntimos: da desavença com o chefe à falta que sente do
carinho do marido, da doença degenerativa da mãe aos problemas que o filho vem
enfrentando na escola.
De tudo, o que mais me
inveja, é a capacidade de falar de si sem se importar se o outro está de fato
ouvindo. Enquanto a pessoa fala, fala, fala, nós disfarçamos, procuramos algo
na bolsa, encontramos o celular, enviamos uma mensagem dizendo que encontramos
uma “amiga” e vamos demorar um pouco. A pessoa não nota. Ela fala. Está tão
ocupada em falar de si que não percebe a nossa falta de atenção, a nossa falta
de interesse. Aproveitamos o estrondo da máquina de café, pedimos desculpas e
saímos, dizendo que estamos atrasados para uma reunião que na verdade nem
existe.
Invejo. Invejo porque
minha alma, como a da maioria dos mineiros, é de ferro. Noventa por cento de
ferro nas calçadas. Oitento por cento de ferro nas almas. E meu coração se
cala. Sim, eu também tenho problemas com o chefe. Sim, meu coração se dilacera
pela ausência de carinho de tantos que eu amo e não me amam de volta. Sim, a
doença ronda, ronda, mas não ataca. Eu me calo. A quem dizer tudo isso? Oitenta
por cento de ferro nas almas. Se seus olhos não estão todos colados em mim, se
há barulho, se o telefone toca, se bate um vento de esquina, como falar daquilo
que sinto? Como ter certeza de que você me ouve?
Eu invejo quem fala de
si sem se importar se existem ouvidos atentos para acolherem um resto de
confissão. São pessoas que falam para si, capazes de conversar sozinhas por um
longo tempo e ainda assim se sentirem acompanhadas. Eu não. Eu me calo. Eu me
desacostumo. Eu desaprendo a linguagem. Eu mudo de assunto. Eu me esqueço quem
sou. Muito ferro na alma. Mania de mineiro, de viver acabrunhado, quieto,
calado, que de tanto matutar, esquece de dividir e compartilhar os restos de
sofrimento.
Por isso invejo a
amiga do café, na sua inocência de compartilhamento, no seu desejo sincero e
não correspondido de também ser acolhida. Ela finge. Ela sabe fingir um
acolhimento. Eu, mineira, ainda preciso aprender.
Fonte: http://pequenaflordelaranjeira.wordpress.com/2014/03/12/o-barulho-do-cafe/
Um comentário:
Não precisamos sair dizendo aos quatro cantos quem somos nem o que fazemos, as pessoas já sabem. Que sai falando para o vento o que faz e o que deixou de fazer, precisa de um psicólogo, está sentido sozinha.
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