Descansou
a enxada no barranco, limpou o suor da testa com a mão calejada e sentou-se no
toco. Virou-se para o terreno já lavrado e viu que nem um terço da tarefa
estava cumprida. Olhou para o céu a fim de saber as horas. O sol estava alto. Sem comer não teria forças para
completar o serviço do dia. Por que será que a mulher estava demorando tanto
com o almoço? Certamente o dono da venda não quis lhe vender fiado, pois na
outra semana ficara lhe devendo bastante. Também pudera, o que recebeu mal
tinha dado para pagar a farmácia. Ainda
bem que o médico foi por conta do Funrural... Assim mesmo, teve que perder um
dia de serviço para conseguir a consulta. Sem condução para ir à cidade não
pode contar com o patrão que tinha compromissos sérios no Banco do Brasil
tratando de novo financiamento para o plantio do café, e com aquelas dores que
sentia, não foi fácil.
Com
a falta de alimentação adequada, as vitaminas dos remédios caros pouco efeito
fizeram. Mas, precisava trabalhar para que os filhos não passassem fome. As
lembranças daquelas carinhas sujas, sempre famintas, mas divertidas, sempre o
ajudavam a vencer a fraqueza e a dar conta da tarefa. Ainda mais que a mulher
estava esperando mais um para o meio do ano!...
Lembrou-se
que era sexta-feira, dia de receber. O fraco almoço, pois o feijão acabara na
véspera, assim mesmo o sustentou até a hora da janta. Essa sim, foi mais
substanciosa, com a cambuquira e as abobrinhas que catou pelos barrancos da
estrada.
No
caminho para a cidade foi fazendo as contas. Ia receber menos que na semana
passada. Pedira um adiantamento na
terça-feira para comprar uns “verlons” novos para as crianças que queriam
acompanhar a procissão do Senhor Morto na Semana Santa. O que ia receber talvez
não desse nem para pagar a dívida da
venda. Mas Deus não desampara ninguém, como diz o patrão que era muito
religioso. Pedir adiantado outra vez ele não ousaria. O patrão já fora tão
camarada assinando sua carteira para ter direito ao Funrural!... Só que todo
mês tem aquela trabalheira de assinar uma folha, que, diz o moço, é dum tal
salário mínimo. Mas ele nem sabe quanto é, pois mal desenha o prenome. E o tal
papel, como lhe disseram, é para garantir a sua aposentadoria, se viver até lá,
bem entendido.
Na
volta da cidade não podia se esquecer de comprar uma rosca no bar do João
Sofia. As crianças iam gostar tanto! Há uma semana que só comem pão dormido
comprado na venda...
Com
a grande caminhada sentia mais fortes as dores que o acompanhavam. Se ao menos
o tivessem internado quando foi consultar, teria se alimentado bem no hospital
e as dores com certeza passariam, já que o médico disse que era mais de
fraqueza e falta de vitaminas. Quem sabe na próxima consulta ele dê uma
internação!?
Ficou
olhando para aquela faixa na entrada da cidade e imaginava o que seria. Sim,
porque ler mesmo ele não sabia. Ouviu falar num tal de Mobral, mas no seu
bairro não tem escola e a mais próxima é muito distante. Teria que perder ler e
já teria vivido até agora sem isso. Mas os filhos tinham que aprender a leitura,
mesmo que custasse sacrifício de sua parte.
Aquela
faixa o intrigara. Sabia que não era tempo de eleição e o patrão, que era da
política, nada tinha dito a respeito.
Limpou
a poeira da calça, ajeitou o velho chapéu de palha e antes de entrar na cidade
lançou mais um olhar desconfiado para a faixa da CF 78 que estampava em letras
garrafais: _ TRABALHO E JUSTIÇA PARA TODOS.
Um comentário:
Grande João Mário.
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