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22 de setembro de 2011

SE EU NÃO TIVESSE FILHO... - Renato Lõbo

Se eu não tivesse filho, nunca saberia o quê acontece quando o pequeno ser abaixa pela primeira vez no planeta e entra pela porta da casa e a gente não faz a menor ideia do que fazer com aquele pacote surpresa. Quem não tem filho...


Se eu não tivesse filho, jamais entenderia o que significa trocar fraldas, e amarrar a chupeta no cordão da outra, e amar aquele cheiro de banho tomado tanto quanto o que foi o cheiro do cocô, e esperar na antessala do médico antes do exame do pesinho, e ficar ali, momento a momento, lambendo a cria, como quem espera a jabuticabeira crescer. Quem nunca plantou jabuticabeira...


Se eu não tivesse filho, quando é que iria saber o que era passar a noite inteira do lado de um pequeno ser adoecido, medindo cada grau de febre, com medo de não saber o que fazer naquela hora? Pra quem não tem é mais fácil, mas...


Se eu não tivesse filho, como iria perceber o que é certo ou errado e, sobretudo, quando iria me dar conta de que certo e errado são linhas transversais imaginárias onde a gente esbarra a vida inteira e se machuca, nelas, como mosca presa em copo de vidro, por medo de viver? Quem nunca se arriscou a ter filho, como se arriscaria a viver?


Se eu não tivesse filho, não morreria de medo quando ouvisse notícias de barbaridades cometidas contra crianças, como a dos nazistas, que as jogavam vivas nos fornos crematórios só para ouvir os gritos. Se não tivesse filho, talvez, seria sensível só o bastante pra justificar a vergonha diante do que a espécie humana é capaz. Mas só isso...


Se eu não tivesse filho, não morreria de amor a cada palavra nova aprendida, a cada entonação diferente da mesma palavra tantas vezes dita, a cada jeito de se pronunciar “papai”, como se fosse sempre a primeira vez. Quem não tem, ah, então, tsss...


Se eu não tivesse filho, não caberia em mim de orgulho quando visse a cria se apresentando na mostra cultural da escola, naquele teatro mambembe com a professora de “ponto”, ou declamando aquele soneto com sono ou cantando naquele coral (improvisado, tá!) uma melodia em qualquer massacrada língua estrangeira (porque é chic, tá!). Quem não tem... Quanta coisa perde, quem não tem!


Se eu não tivesse filho, não teria vizinhos pra brigar. É. A gente só descobre vizinho inoportuno quando a cria da gente (que só é suportável pra gente) descobre a cria insuportável do vizinho inoportuno. Quem não tem filho, escapa de ter de abanar a mão pro vizinho chato. Algum ganho existe, vá lá!


Se eu não tivesse filho, não saberia o preço de material escolar, mas também desconheceria a delícia de ir atrás daquela lista e de voltar aos tempos bons do lápis de cor, giz de cera, esquadro e transferidor, livro novo, caderno encapado e aquele cheiro delicioso de escola que tudo isso tem. Porque isso é muito bom! E quem não tem, não tem.


Se eu não tivesse filho, de quantas primeiras maravilhosas oportunidades seria privado: o primeiro dente, o primeiro tombo, o primeiro corte, o primeiro esporte, a primeira escola, o primeiro ano, o primeiro diploma, a primeira comunhão, a primeira namorada, o primeiro tudo, o primeiro nada, a primeira decepção, a primeira vez que chorou por alguém, a primeira vez que fez alguém chorar, a primeira vez que eu o fiz chorar, a primeira vez que ele me fez chorar, o primeiro medo dele em me perder e meu primeiro, de perdê-lo, e assim por diante... todas as primeiras vezes inaugurais de um grande amor, desses, que só tem primeira vez, sempre. Quem não tem, fica pobre de muita primeira vez.


Se eu não tivesse filho, não estaria aqui escrevendo isso, pela simples razão de não saber o que escrever.


Se você não tivesse filho, talvez, não estaria lendo isso, pela simples razão de não saber o que ler.


Eu não tenho filhos, tenho só um, e já reputo isso de uma pobreza sem tamanho. Calcule se não tivesse nem um, nem que fosse um só. Seria de uma indigência somaliana, como a daquele país da África, em sua escancarada, insensata e despudorada miséria de tudo.

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