A história de Henrique, o grande produtor
de café do sul de Minas Gerais, Serra da Mantiqueira
Por Patricia Ferreira
No dia 10 de janeiro de 2014, Brazópolis,
sul de Minas Gerais, perdeu um grande produtor de café. Henrique Dias Ferreira
nasceu e viveu toda sua vida nesta cidade, localizada na microrregião de
Itajubá, na Serra da Mantiqueira. A lavoura de café conheceu desde a infância,
quando brincava e passeava pelos cafeeiros de seu pai. Aos 19 anos, decidiu
trabalhar em sua própria lavoura. Casou-se aos 22 anos com Terezinha. Com ela
teve 5 filhos. Para sustentar a casa, além do café, passou a trabalhar com
outras lavouras e criações. Um dia, a esposa adoeceu e veio a falecer. Com
apenas 37 anos de idade, se deparou com a responsabilidade de criar 5 filhos,
tendo o maior 12 anos de idade e o menor 5. Superar a perda da esposa amada foi
seu maior desafio. O trabalho já era sagrado e por isso, continuou em frente.
Venceu. Tornou-se um dos grandes produtores de café do sul de Minas. Aos 83
anos de idade, ainda lidava diretamente com a produção, porém, adoeceu. E nos
últimos dias de vida, em meio ao sofrimento, se reencontra com seu grande amor
e se despede.
Conheça um pouco mais desta história de
luta, superação, vitória e amor. Esta é uma homenagem do Jornal Serra da
Mantiqueira ao saudoso Henrique e um presente para a família dele.
A história de Henrique começa no dia 18 de
maio de 1930, com seu nascimento. Filho de Elói e Mariana, irmão de Francisco,
José Dias, Ivo e Bárbara. Nasceu no bairro Grotão, distrito de Estação Dias,
Brazópolis, MG. Ele estudou até a 3ª série do Ensino Fundamental, porém, ao
longo dos anos, estudou por conta própria como um mestre, em Economia,
Agronomia, Administração, também História, Cultura e Política.
“Meu pai era muito inteligente, muito
sábio. Adorava ler livros de geografia, história, livros de pensamentos de
grandes autores e tudo relacionado à política e à economia. Costumava dizer que
conhecia o planeta sem sair de casa. Ele também lia a Bíblia. Era um grande
conhecedor da Bíblia Sagrada”, contou a filha Maria Benedita Dias, conhecida
por Eia.
Quando adolescente já trabalhava sozinho
nas terras do pai, fazia algumas lavouras de milho e de feijão. Depois vendia a
produção. Ele trabalhou num bar que o pai tinha na época e também foi vendedor
de bilhetes de loteria.
Aos 18 foi servir ao Exército Brasileiro.
Convidado pelo Coronel a seguir a carreira militar, respondeu que trabalharia
com o que mais gostava, com a terra. Aos 19 anos, decidiu trabalhar com a
lavoura de café.
A diversão dos jovens naquela época eram as
festas religiosas. Segundo Benedita, a Eia, Henrique conheceu Terezinha numa
dessas festas. “Eles frequentavam as festas de Santa Isabel em Piranguinho, nas
Missões, nas festas de Santo Antônio, São João e São Pedro na região”.
O casamento foi realizado no dia dos
namorados, dia 12 de junho de 1952. Ele tinha 22 anos, ela, 17.
Vieram os filhos do casal: José Elói, Eia,
Francisco Carlos (Daia), Bráulio (Gogue) e Benedito (Inho).
O café sempre foi a sua paixão e por isso
dedicou sua vida a essa lavoura. Porém, além do café, também tinha gado de
leite, gado de corte, lavoura de feijão, milho, arroz, banana, laranja e
goiaba. E também criava porcos e galinhas para vender e para as despesas da
casa.
Eia revela que teve muitas lembranças boas
da infância. Enquanto o pai saía para a lavoura, a mãe cuidava da casa, dos
filhos, junto com a mãe de Henrique, a Mariana, que morava com eles após o
marido falecer. “Nós éramos muito apegados à minha mãe”, lembrou Eia.
A filha Eia contou que a relação entre seu
pai e sua mãe era a melhor possível. “O amor deles era a coisa mais linda do
mundo. Meus olhos ficam marejados de lágrimas quando me recordo deles juntos.
Para mim, este amor é eterno. Meu pai me contava muitas histórias. Uma delas,
ele sempre me contava. Ele devia uma continha no banco e estava muito
preocupado. Então, minha querida mãe disse-lhe: - Não preocupa não Henrique, a
gente trabalha e paga. Muito jovem, ela se tornou uma grande mulher. Era o
braço direito do meu pai. Ia à luta com ele. Pena ter vivido tão pouco!”, conta
emocionada.
Certa vez, Terezinha foi à roça buscar um
pouco de milho num jacá, para tratar dos porcos e das galinhas. “Na volta, com
o jacá nas costas, ela enroscou o pé numa grama de cordão, caiu e sentiu que
machucou a coluna porque estalou, ela havia dito. Porém, naquela época, as
pessoas não costumavam procurar o médico, que também era uma raridade.
Antigamente havia apenas um médico na cidade. Tempos depois, ela adoeceu. Foi
diagnosticada com câncer na espinha, Leucemia (atingiu a medula óssea, onde o
sangue se origina). Dr. Álvaro, um grande médico da época, foi o responsável
pelo tratamento. A gente achava que a causa de ter aparecido o câncer poderia
ter sido a queda, mas na verdade, não sabemos ao certo. Oito meses depois,
minha mãe faleceu, aos 32 anos de idade, no dia 31 de agosto de 1966, era uma
quarta-feira, de madrugada”.
“Meu pai acordou naquela madrugada e viu
que minha mãe estava quietinha de joelhos, encostada na cama, com a cabeça
baixa. Ele não achou estranho, porque ela gostava de ficar naquela posição.
Desde que adoeceu ela não andou mais. Ficava todo o tempo na cama e às vezes
pedia para a gente ajudá-la a apoiar os seus joelhos num travesseiro no chão,
para mudar de posição e lhe dar mais conforto. Meu pai pensou que estivesse
dormindo, mas não. Após 8 meses de sofrimento, ela partiu e nos fez muita
falta”, desabafou Eia.
Terezinha deixou o marido e os 5 filhos. O
Zé Elói tinha 12 anos, A Eia tinha 11, o Daia 10, o Gogui 8 e o caçula Inho,
tinha 5. A tristeza foi muito grande, segundo Eia. “Meu pai já esperava por sua
morte porque os médicos não lhe deram esperança, mas mesmo assim, a dor era
muito grande. A partir daí, nós tínhamos somente meu pai e também a nossa
vozinha. Porém, anos depois, ela também se foi, em 8 de maio de 1970. Meu pai
se tornou para nós pai e mãe ao mesmo tempo. Era o nosso apoio. A gente contava
com ele para tudo”.
Entre os maiores desafios da vida de
Henrique, quem sabe, o maior, talvez, foi superar a perda da esposa.
Eia contou que surgiram várias mulheres que
pretendiam se casar com ele, “porém, ele nunca pensou em se casar novamente
porque minha mãe sempre esteve muito presente em sua memória. Ele a amava muito
e por isso, por toda a vida, sempre recordava alguma passagem sobre ela”.
Para Henrique, o trabalho era sagrado. Pela
família e pelo trabalho, seguiu em frente. Eia contou que o trabalho na lavoura
de café é muito difícil. “Meu pai costumava dizer ‘é pra caboclo macho’. O
investimento é muito alto, mas ele dizia que na roça, ‘o que dá certo é o café
e o leite’. Depois de plantado, o pé de café demora de 3 a 4 anos para produzir
os frutos. Tem que capinar, adubar e ainda esperar a chuva no tempo certo. O
adubo é muito caro. Muitas vezes vi meu pai pagando caminhão fechado de adubo.
Era o valor de um carro novo. Na colheita, a mão de obra também é cara. Os
grãos vão para o terreiro para secagem. Isso leva quase um mês e depende do
tempo. Se for para o secador de café gasta-se tempo, energia elétrica, lenha e
dias do empregado. Depois o café vai para a máquina para ser beneficiado e em
seguida, é ensacado. Os melhores compradores de café são procurados. Uma
amostra é enviada. Às vezes o produtor responde que o ‘café não bebeu’, isto é,
quando o produtor manda o amostra de café para o comprador, o produto é
torrado, moído e preparado para ser degustado por um barista (profissional
especializado em cafés de alta qualidade) contratado pelo comprador, que vai
provar o café e dizer se está aprovado ou não. O produtor, confiante na
qualidade do seu produto, quase tem um colapso! O comprador desvaloriza o
produto e o produtor tem prejuízo pois não cobre os gastos. Outro comprador
pode dar certo. E por aí vai”, contou.
“Eu estive presente nos momentos de alegria
do meu pai, mas também estive nos momentos difíceis da sua vida. Ele tinha
muito orgulho do homem que se tornou. E para chegar ali nada foi fácil. Durante
a vida ouvi seus desabafos. Ele costumava dizer que tudo que conseguiu na vida
foi com ‘suor e sangue’. Palavras fortes que eu sabia o que realmente
significavam. Fico emocionada quando me recordo”.
“Ele era mesmo um homem muito inteligente e
isso contribuiu para que se tornasse um homem bem sucedido. Porém, outras
qualidades foram fundamentais. Ele era honesto, sabia administrar, tinha
autoridade ao lidar com os empregados, era exigente, pois gostava do serviço
bem feito. Mas era humano, justo. Ajudava muito as pessoas e por isso tudo,
conquistava o respeito de todos. E também tinha seu lado bem humorado e
especial”.
E o café foi a vida de Henrique. Como ele
dizia “o meu negócio é mesmo cavoucar a terra”. Trabalhou ativamente até o fim
da vida. Viveu uma vida de coragem, força, confiança e determinação. Por tudo
isso, fez grandes conquistas. Entre elas, o respeito e a admiração de todos que
o conheceram.
Um câncer chamado Linfoma, causou a sua
morte.
“Nos últimos momentos de sua vida, ele
falou da mulher amada. Olhou para a foto dela, copiada em seu celular, e
sorriu, como se ela estivesse ali, na sua frente”, contou Eia.
A maior herança que Henrique deixa é a
lição da sua vida. Que sejam passadas de geração em geração. Além dos filhos,
deixou 4 netos.
“Tudo o que eu sou eu devo a ele, aprendi
tudo com ele, me espelho nele. Pensava que não suportaria a sua partida, porém,
estou sendo muito forte e essa força vem dele mesmo”.
“A grande lição que ele deixa é que se deve
mesmo ir à luta, arregaçar as mangas e enfrentar a vida com muita garra”.
“Ele dizia, tem pessoa que nasce para
mandar e a outra nasce para ser mandada”.
“Fiquei impressionada com a quantidade de
pessoas que vieram à minha casa no seu falecimento e também no seu
sepultamento”.
O “rei” do café – pela dedicação, amor e
vitória pelo café, a família, os sobrinhos e primos, carinhosamente, brincam
com a expressão.
“Eu diria que tudo que ele tocava virava
ouro. Pois tudo que ele plantava produzia”.
”A maior virtude de um homem é a sabedoria.
Pode descansar em paz, pois seus ensinamentos estarão guardados em meu peito e
no meu coração. Nunca vou te esquecer, vô”, Edinho (primeiro neto) –
carinhosamente, Dinhô do vô.
“Ajudei a cuidar da casa, do meu pai e dos
meus irmãos. Eu faria tudo de novo. Eu tinha essa missão a cumprir. Família é o
bem mais precioso, é a base de tudo. Meu pai era tudo pra mim, era meu porto
seguro. Com sua ajuda me realizei profissionalmente, me aposentei, conquistei a
minha independência. Esta é a minha melhor recompensa”, Eia.
Um dos melhores cafés do sul de Minas –
“Meu pai produzia café de qualidade, café tipo exportação. Era considerado um
dos melhores cafés do sul de Minas. Chegou a vender direto para o porto de
Santos, era um comprador de Ouro Fino na época. Certa vez, um comprador disse
pro meu pai que ele estava honrando o café do Sul de Minas”, Eia.
“Agora é tocar o barco, viver para o meu
amor, para os meus irmãos e sobrinhos”, Eia.
“É emocionante falar do meu querido pai.
Agradeço a oportunidade de contar essa linda história de vida”, Eia.
“Tem uma passagem de sua infância que ele
disse que quando tinha 9 anos foi até o cafezal de seu pai, observou os
empregados colhendo café e foi correndo dizer pro pai que o pessoal não estava
fazendo nada porque não saia do pé de café. Então seu pai disse: - É porque tem
bastante café, por isso que eles estão parados no mesmo pé”, Edinho, neto.
“Meu avô contou que quando ele era criança
e ganhava algum dinheirinho, ao invés de comprar balas e doces como as outras
crianças, ele preferia comprar rapadura porque assim ele tinha doce pra comer a
semana inteira”, Edinho, neto.
“Meu pai adorava rapadura e não passava sem
ela. Era seu doce preferido a vida toda”, Eia.
“O café já teve sua época de glória. Meu
pai pegou preços ótimos por muitas vezes. Ultimamente o café está em baixa. O
mercado está complicado. O governo brasileiro não ajuda, a lavoura aumentou
muito. No caso do meu pai era questão de amor mesmo pela lavoura, mas ele nunca
perdia a esperança de dias melhores para o café. Sempre dizia que, mesmo na
crise, o café ainda era o melhor negócio. Ele estava planejando parar por causa
de sua idade avançada e também pelo descaso do governo brasileiro em relação ao
café”, revelou Eia.
“Um pedaço de mim morreu com a partida do
meu avô. Eu o amava e tenho certeza que o mesmo amor ele sentia por mim. Homem
forte, valente e generoso. Ele me ensinou a batalhar pelos meus objetivos. Ele
dizia que mesmo diante dos obstáculos da vida, a gente deve lutar e não
desistir nunca. Creio que este era seu lema, pois lutou até o fim. Tenho
certeza que estás em um mundo muito melhor que este, próximo a Jesus, e também
já não sofre mais. Que está ao lado da vozinha, como era o seu desejo. Agora,
entre nós, restam as lembranças. Mas sei que sempre estarás perto de mim, me
guiando pelo caminho certo. Tenho orgulho de ser sua neta e por isso, agradeço
a Deus. Jamais me esquecerei dos nossos momentos juntos. Jamais vou me esquecer
do seu último abraço e do grande homem que foi o senhor. Um dia também vencerei
na vida, como o senhor venceu. Um dia a gente vai se reencontrar”.
Milena de Oliveira Dias (neta).
4 comentários:
Não me lembro deste senhor ,mas lendo sua historia vi que é um homem de tirar o chapeu .Este sim pode se disser que é um homem modelo para qualquer cidade.Parabens aos filhos por ter um pai maravilhoso como o seu.
Eh sr Henrique sua partida deixou muita saudade , por isso lhe digo descanse em paz amigo.
que materia linda. parabéns. É de lição de vida assim que precisamos.
Parabéns Eia, pela matéria, muito bonita. Apesar de nos conhecermos a tanto tempo, só agora descobri que o conheci tão pouco. Sem dúvida seu pai foi um pequeno grande homem.
João Bosco
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