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8 de agosto de 2011

O BARBEIRO - Renato Lobo




As barbearias da cidade grande não se parecem mais com aquilo que são. Parecem gabinetes dentários. A higiene, os progressos, a técnica e sei-lá-mais-quanta-coisa acabaram com encanto da instituição rural mais pitoresca de todas: a barbearia. Nas barbearias da cidade grande há mais tinta de coloração que fórmulas filosóficas, mais preocupação com a política internacional do que com os falsos testemunhos de domínio-público, mais revistas ilustradas, mais ares-condicionados e menos ociosidade do que nas sombrias e poeirentas barbearias do povoado. Naquelas, o prefeito, o coronel e o bobo tinham voto, veto e voz. Aquilo, sim, era um verdadeiro, espontâneo e natural parlamento corporativo.

O barbeiro da cidade grande nem existe mais. Mudou de nome para cabeleireiro. Seja como for, o barbeiro da cidade grande, agora, é um cientista, com suas fórmulas mágicas de transformação. Já o barbeiro do interior é um filósofo, que pensa mal de todos e fala bem de todo mundo, tem mulher e oito filhos, e, mesmo assim, e, no entanto, reserva um dos ventrículos do coração para servir de domicílio à moça incógnita que passa por ali, e o deixa de tesoura aberta à mão, pronto a cortar o lóbulo da orelha do cliente. O barbeiro dos povoados é um jogador contumaz, que assiste à missa de joelhos e fala bem de Voltaire.

Mas o pior nos barbeiros da cidade grande é o que eles têm de melhor: eles cortam cabelo. Como profissional dessa difícil arte, o valor do barbeiro da cidade é incontestável. É dele mesmo esse automatismo científico que transformou o seu salão num laboratório. Antes, não, antes um salão de barbeiro era um lugar aonde se ia pra falar mal da vida do vizinho, jogar uma partida de damas ou dominó, ou simplesmente para não fazer nada. Acho que essa é a grande diferença: as pessoas iam à barbearia do povoado por qualquer motivo, menos para cortar o cabelo.
Já na barbearia urbana, não. A essa se vai, clínica e cirurgicamente, para lidar com a aparência, numa rigorosa distribuição de turnos, com lista de preços impressa e um cabeleireiro com um quê de funcionário público. Há uma insondável distância sociológica entre o esquisito procedimento cirúrgico de hoje e aquele primitivismo prático, quando se colocava nada mais que uma cuia na cabeça do cliente e ao redor dela se recortava tudo o que sobrasse nas bordas.

Quanto mistério havia naquela cuia! Quanto encanto!

Não foi a barbearia que perdeu o encanto. Esse encanto não existe mais. O que antes atendia pelo nome de “Barbearia do Zezinho”, hoje virou“Stylist Hair”. Mudou, simplesmente, mudou. Nem para melhor nem para pior. Apenas, mudou. Fica até difícil dizer o que foi ganho ou perdido porque as referências desapareceram.

Mas quem quiser conhecer um autêntico barbeiro, mesmo que não seja para cortar o cabelo, precisa ir a um povoado do interior. Tem de vê-lo aos domingos, todo arrumado, cheirando áqua velva, orgulhoso da patroa e dos filhos, e deitando aquele olhar guloso para as mocinhas que flutuam em risadinhas ao redor da Matriz.

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