Pôxa, tem sempre de ter um "demônio"?
“O advogado do terrorista norueguês, Geir Lippestad, defende que seu cliente, Anders Behring Breivik, é insano e que provavelmente realizou os ataques como um ato da sua loucura. Além disso, Lippestad afirma que Breivik teria tomado drogas antes de entrar no acampamento juvenil para que ele se sentisse “forte, eficiente e alerta”. O advogado ainda não sabe se o seu cliente vai pedir para entrar com uma alegação de insanidade que ajude a minimizar os danos do seus crimes” (fonte Google BR).
Pois é. Dessa vez não foi negro nem muçulmano nem judeu nem asiático nem africano nem latino nem cigano nem detestavelmente pobre nem nenhuma das consideradas escórias da humanidade contra as quais Hitler e os Comensais da Morte (ando assistindo muito Harry Potter) bem gostariam de patrocinar uma faxina higiênica. Dessa vez foi um branco, louro, de olhos azuis, cristão, cidadão do próprio país onde descarregou sua fúria, nascido no centro do poder. Pois é, e agora?
Anders Behring Breivik é um fundamentalista cristão ligado à extrema-direita e à maçonaria, neo-conservador e defensor do Estado de Israel. Mas, é claro, logo, logo tem a tese da insanidade e do uso de drogas e medicamentos. É sempre o quadrado DDDD: se não é Deus ou o Demônio, é a Droga ou a Doença. Nunca O Sujeito.
Só que, desta vez, vem cá, é o sujeito. E, ao que tudo indica, ele fez questão de ficar, de não sair pela porta dos fundos do suicídio, pra dizer justamente isso: “Sou eu mesmo, sô!”. Foi o que mais me chamou a atenção nesse episódio: o sujeito ter ficado. Porque sempre há alguém ou alguma coisa em quem depositar a culpa. Mas desta vez (de novo), vem cá, é o sujeito. Mesmo.
Há casos e casos e casos. Essa história é longa!
Sempre que uma pessoa cai numa depressão de tirar o couro, isola-se completamente da família, perde toda ligação com o mundo, mingua a olhos vistos diante de familiares atônitos, aparece um exame de hipotireoidismo para o conforto familiar. Não é ele. Não fomos nós. Ufa! É a tireóide!
Sempre que um adolescente desanda a limpar as gavetas dos pais de tudo quanto de valor possa ser transformado em drogas, surge no horizonte do desespero alguma luz de lampião para tranqüilizar a família de sua possível participação – muito mais, omissão – no destino da pobre alma imberbe. Dessa vez, é o traficante!
Sempre que antigamente uma criança ficava doente ou alguém desatava a fazer coisas que, decerto, não faria habitualmente, podia estar certo: era mau olhado ou, então, o demônio. Aliás, esse último ta na moda, de novo.
Sempre que um político é pego com a boca-na-botija, um empresário sonega imposto, um juiz federal desvia verbas, um famoso qualquer é fotografado saindo de uma boate gay em companhia de travestis, o papa discursa bobagens, pode esperar, tem sempre um antidepressivo, um estresse sufocante, uma perda momentânea de consciência ou, no último caso, a cúria romana que arquiteta maldades contra sua santidade. É assim. Sempre assim.
Pôxa, tem de ter sempre “um demônio”? Cadê o sujeito? Cadê aquele que executa e sofre a ação do verbo? Onde foi que se escondeu esse “sujeitinho” chamado O Sujeito?
Pode ser o hipotireoidismo? Pode. Pode ser o traficante? Opa! Pode ser o mau olhado e o demônio? A gosto! Pode ser o antidepressivo? Pode. Pode ser o estresse? Claro! Pode haver uma momentânea perda de consciência? Pode. E a cúria romana? Pode, uai, fazer o quê!
Mas cadê o sujeito?
Atrás do volante do carro existe uma pecinha que dirige e também faz bobagens. Atrás da direção da vida existe a mesma pecinha que orienta rumos, toma decisões, implica-se naquilo que pensa, fala, atua, omite, influencia e faz. Essa pecinha é, até que descubra outra, a mais famosa de todo o mundo. Enquanto não se encontrar nada semelhante, ela é a única (única!) no universo inteiro capaz de anunciar antecipadamente o que irá fazer e tomar consciência retrospectivamente daquilo que fez. A única!
Todas aquelas variáveis podem influenciar? É claro, comadre! Nem precisa do hipotireoidismo, traficante, antidepressivo, estresse, mau olhado, demônio ou cúria romana. Basta um desarranjo intestinal: o eloqüente e cataclísmico piriri. Meu irmão! Eu recomendo! Um desses, e você adquire o direito a cometer besteiras e se esconder atrás do vaso. Sanitário. Mas mesmo no maior sufoco piririzal há coisas que, vem cá, ninguém faria? Né. Vai ser preciso um vaso sanitário enorme pra esconder qualquer maldade cometida em nome do piriri. E não vai conseguir.
Acho que ainda vai demorar muito para, nalgum relógio universal, os ponteiros apontarem a hora em que se dirá: Daqui pra frente, nada de botar nas costas do demônio, OK! Até porque, o infeliz nem existe. Que tal, a gente levantar a mão da próxima vez e apontar pra si mesmo?
Ao senhor Anders Behring Breivik eu não sei o que diria. Você sabe? Talvez que de toda essa imensa consternação pelo imponderável, a atitude dele, sana ou insana, de não se ter matado, de ter ficado para responder, brote como um alvo copo-de-leite desse brejo. Quem sabe foi preciso algo assim para que a gente comece a esquecer daquilo que desaprendeu e, da próxima vez, em quaisquer pequenos rotineiros atos, deslizes, pecados e omissões, consiga até dizer: “Fui eu. Perdão, mas fui eu.”
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