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17 de novembro de 2010

PEDIDO DE NATAL – Renato Lôbo

A sobrinha dele tinha cinco anos quando foi passar o Natal em Vargem Grande. Ela era lindinha. Mas depois cresceu e... cresceu. Bem, quando ela ainda era lindinha, naquele Natal, naquele clima de festas, luzes e bolinhas coloridas, ele já havia crescido e, na certa, já não era mais lindinho. A vida cobra muito e dá pouco. Porém, naquele Natal, com as ruas vazadas de lâmpadas coloridas, barraquinhas de festa nos dois lados dos passeios e música no ar toda tarde antes da missa, ele sabia que algo deveria mudar, para melhor e, por ali, naqueles dias.

Naquele ano, ela tinha cinco e ele, três vezes cinco e mais um pouco. Portanto, o que fosse que faltasse aos dois, na certa, seria algo completamente diferente tanto a um quanto a outro. Uma menina de cinco anos tem desejos completamente diferentes de um rapaz de dezoito. Mas ele não sacou isso. Pelo menos, naquele dia de Natal, não.

Então, já que era Natal, ele deu um jeito e a convidou para “um big abraço e um big beijo no Menino Jesus do presépio” – claro – com a promessa de um big sorvete na volta. Ela topou, prontinho, e lá foram eles, rua acima, praça, escadaria da igreja, nave principal.

Em lugar nenhum desse mundo será possível encontrar outra nave geladinha de igreja como a de lá. Dezembro! Natal! Um calorão do lado de fora! E ali dentro, no geladinho da nave da matriz, cada momento era sempre a redescoberta do já conhecido. De cada capitel de coluna branca brotavam guirlandas com bolas coloridas balançantes. Anjos asudos revoavam pelo teto gótico. E ainda aquele cheiro de Natal que só lá é possível sentir, mesmo depois que a gente cresce....Mas o mais importante, o mais lindo, o mais devoto, o mais natalino do Natal, se apresentava, naquela época, no canto direito do lado direito de quem entrasse. Era o presépio. Ele ocupava uma esquina inteira da nave. Naquele tempo não se fazia economia de devoção. E era, não sei bem como dizer, presepudo.

Num painel encostado à parede ficava a cidade de Belém. (Aliás, cadê aquele painel?) Lâmpadas colocadas por detrás das casas no pano pintado projetavam a luz para que ela vazasse pelo vão de pequenas janelas de celofane colorido. Cada uma de uma cor. Uma beleza! Inigualavelmente bela e inesquecivelmente saudosa ficava ela empoleirada numa árvore escondida de um canto escurecido, cujo breu concedia ainda maior brilho àquele baita olhar colorido de papel transparente. Era a corujinha.

Era Natal! O meu Deus, já era Natal! E ele precisava urgentemente de um ilustre favor dos mais ilustres habitantes do Céu. A necessidade não tem lei. E ausência de lei cria genialidades criativas, dessas que só aparecem uma vez na vida. Era agora ou nunca.

Ele estava ali, no geladinho da nave. E o presépio estava ali, no canto direito. E a casinha de sapé, bem ali, no centro de tudo. E no berço de palha, um menino lindo, o mais lindo de todos, se encontrava deitado, desde a missa-do-galo da noite anterior. O pai de um lado, a mãe do outro, o boi e o burro atrás, o galo orgulhoso em cima da casa, um anjo esvoaçando mensagem numa tira de linho, os pastores, em círculo, reverentes, e ao fundo onde a estrada de serragem emendava com a estrada do painel pintado, serpenteando na direção da casa, vinham eles, os três reis do Oriente, trazendo especiarias para o Menino Deus.

Era agora ou nunca.

- Belinha, você seria capaz de pedir pro Menino Jesus uma coisa muito importante, mas muito importante, de que o tio necessita muito?

- O quê, tio?

- Uma coisa que eu ando precisando muito.

- É uma coisa bonita?

- Acho que é.

- É uma coisa que você precisa muito?

- É sim, Belinha, é uma coisa que o tio precisa muito.

- Mas é uma coisa que você quer muito? (Vocês não se esqueceram de que ela tinha cinco anos, né?)

- Sim, é uma coisa que o tio quer muito.

- Mas é uma coisa que vai fazer você muito feliz? (Cinco anos!) E ele já estava quase desistindo.

- Sim, é uma coisa que vai fazer o tio muito feliz.

- Ah, então vamos lá!

Questionário acabado, ele caminhou animado.

Lá estava o presépio, e lá estava o mais lindo Menino, o mais lindo de todos, na casinha de sapé. Lá repousava Algo ou Alguém que, na certa, poderia atendê-lo, se o pedido fosse feito por alma tão desnudada de interesse terreno. É o que pensava ele.

Chegaram.

Os pés do Menino emanavam uma fita azul-claro que se achegava ao fiel, para que um beijo fosse ali alojado, mas não um beijo qualquer. Era pra ser um beijo puro da devoção filial, um beijo de fé, sem mácula nem jaça ou coisa afim. O mais puro beijo que a mesma boca que canta e fala e come e injuria e reza, fosse ali capaz de depositar. Tanto que veio o beijo.

- O que é que eu falo, agora, tio?

- Diga o que você quiser, como quiser, mas só não se esqueça de lembrar ao Menino que é uma coisa de que o tio precisa muito. Entendeu?

E ela entendeu.

Ela parou. Ela olhou. Ela girou o rosto em todas as direções. Ela modificou o aparato das coisas, sem fixar-se em ponto algum, parecendo perdida em meio a uma gravidade maior do que ela mesma, e que, desabada sobre ela, arriava os pequenos ombros sob a envergadura do instante. Dava a impressão de que o que ela procurava, pelos cantos do presépio, seria alguma companhia de algum figurante de segundo escalão, que pudesse abandonar seu lugar na figuração, e acompanhá-la naquela viagem a caminho da casinha de sapé. Sozinha é que não dava pra ir!

O momento era maduro.

Em frente ao centro do acontecimento, Belinha olhou profundo nos olhos caídos do pai, nos olhos iluminados da mãe e no olhar divino do Menino. E só assim, depois de tamanha reverência, pode abrir o lacre do seu pedido. Mudaria um destino, transformaria uma vida e, quem sabe, muito mais.

E ela pediu. E foi com solene gravidade e clara certeza, que erguendo pezinhos e tom de voz, na específica ansiedade do evento, ela pronunciou as palavras decisivas:

- Ô Menino Jesus, traz um guarda-chuvinha verde pro tio!

Viu?

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