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23 de novembro de 2010

A ESTRADA DO TRONCO – Renato Lôbo

Na estrada do Tronco, muito cedinho, antes das sete da manhã, era a hora de levar leite pro caminhão leiteiro. E papai fazia questão dele mesmo levar, pra não correr o risco de colocarem água no leite. E eu ia junto. E a gente ficava ali, esperando, esperando... um caminhão que parecia ter sumido em alguma curva, mudado de estrada, ido para outra cidade, outro país (quem sabe!) pra nunca mais chegar.
Estrada do Tronco. E já um pouco depois das sete da manhã. E nada do Vitor leiteiro! Por aquelas bandas, um lado e outro da estrada eram povoados por extensa mata roxa e branca de manacás. Um delírio! Cena de filme! Se o Vitor não chegasse, chegavam conversas. Papai adorava prosear: perdia o amigo, mas não perdia a prosa. Sabia como ninguém extrair o caldo de cana da vida, mesmo se nas mãos só lhe sobrasse o bagaço. Ligava não. Sabia continuar. Sabia acreditar na doçura da cana. Sempre sabia ir em frente.
Estrada do Tronco. Já por volta das sete e meia, e nada de caminhão leiteiro. Papai me mostra, então, um eloqüente pé de eucalipto, na maior pose, encostado à porteira, já ameaçando fazer sombra em tudo quanto fosse mato pequeno. Um eucalipto grande, ereto, forte, presunçoso, destemido.
- Ta vendo? Quando cheguei aqui, ele já estava ali.
Fiz que sim com a cabeça.
- Sabe pra que ele serve?
Fiz que não com a cabeça.
- Pra pouca coisa. Fazem papel dele. E não muito mais.
Continuei olhando a árvore com sentimento ambíguo: não sabia se a queria cortada pra virar caderno ou se a queria em pé, testemunha de um tempo que nunca passa porque não existe. Continuei, lá, olhando a árvore.
- Eucalipto só tem um problema – continuou papai – ele seca o chão. Onde cresce, nada mais cresce. Papai olhou pensativo a árvore grande à sua frente e terminou: Onde cresce, nada mais vive. Nem passarinho! Não tem inseto, não tem o que comer... Nem passarinho! Só o silêncio.
Não entendi muito daquela prosa. Mas fiquei ali, achando o máximo ser eucalipto.
Estrada do Tronco e nada de Vitor. Foi quando papai me lembrou da abobreira grande, no pasto do Zé Júlio, ramosa, borbotolhuda, enfeitada da flora amarela, repolhuda, escaderuda, de abóbora pescoçuda. Perto dela, o eucalipto era lambido, despossuído, desenxabido. Cada folha da abobreira tinha o tamanho de uma bacia de tomar banho. Cada embira era da largura do dedão. Do pé! Cada galho estirado dava bem uns dez metros. Era uma abobreira pra ninguém botar defeito. Abobreira pra ganhar concurso. Abobreira pra gente exclamar: “Mas que beleza de abobreira!” Claro, deixei o melhor pro fim. E o melhor era, naturalmente...
A abóbora!
Mas nem em Luminosa nem no Alegre de Cima nem na Vargem do Cândido nem nos Teodoros... (Aqui!) nem na Lua havia uma abobreira daquelas! Um despropósito! Coisa de Circo!
- Você prestou atenção no tamanho da abóbora?
Fiz que sim, mas claro que não tinha visto. Tanta coisa pra criança ver, vai prestar atenção, logo, em abóbora! Se a descrevo, hoje, é por possuir, ainda de longe, e pelo menos na minha alma, a estranheza da sua fugaz perpetuidade. Mas naquele dia eu não a notei. Só papai notou.
- Sabe por que a abóbora é daquele tamanho?
- Não.
- Porque ela se arrasta rente ao chão. Imagine aquilo num galho de eucalipto, lá em cima!
- Sim.
- Não havia jeito! Você já viu a “frúita” do eucalipto?
- Não.
- Nem tem jeito! É um “trócinho “ seco. Não faço a menor idéia pra que serve aquilo.
- Sim.
- O eucalipto gasta tudo o que tem pra ficar daquele tamanhão. Tudo o que a terra dá, ele gasta pra crescer. Já tinha pensado nisso?
- Não.
- Pois é, ninguém pensa. A abobreira não tem de manter nada, nenhuma altura, nenhuma pose. Abobreira não faz pose nem precisa se exibir.
- É mesmo!
- Então ela pode gastar tudo o que tem só naquilo que interessa: o fruto, a abóbora, entende?
- É mesmo!
Mas, realmente, havia entendido nada. Naquele dia, na estrada do Tronco, esperando um caminhão leiteiro que nunca chegava, não havia ainda aprendido o significado das coisas. Não sabia que não existem verdades, mas apenas saberes tido como verdadeiros. Não discernia a verdade suprema de que não basta ser eucalipto frondoso se o destino dele é ser cortado e se mesmo depois de cortado ele deixa atrás de si um rastro de destruição e morte na secura da terra por onde andou. Realmente, não havia aprendido que ser abobreira é ser de um jeito simples, desses que ninguém presta atenção. Mas que ser desse jeito é a condição dela frutificar a terra, retornando tudo o que recebeu e dando mais, muito mais, muito mais.
Guardei comigo, até hoje, desde aquele dia, uma lição importante. Talvez, a mais importante da vida. Se for pra ser, que seja abobreira. Que alimente quem o vier procurar. Que não seque as relações ao redor. E que seja um oásis sempre aberto, sempre puro, sempre limpo, pra todos beberem de suas águas.
Noves fora nada, é isso.
De repente, na curva que perdia o horizonte, levantou-se uma fumaça de poeira. Rapidamente a vida retomou seu curso natural e o coração das coisas voltou a pulsar. Era hora de continuar a labuta do dia e a jornada da vida. O caminhão leiteiro havia chegado.
Na estrada do Tronco, muito cedinho, antes das sete da manhã, era a hora de levar leite pro caminhão leiteiro. E papai fazia questão dele mesmo levar, pra não correr o risco de colocarem água no leite. E eu ia junto. E a gente ficava ali, esperando, esperando... um caminhão que parecia ter sumido em alguma curva, mudado de estrada, ido para outra cidade, outro país (quem sabe!) pra nunca mais chegar.
Estrada do Tronco. E já um pouco depois das sete da manhã. E nada do Vitor leiteiro! Por aquelas bandas, um lado e outro da estrada eram povoados por extensa mata roxa e branca de manacás. Um delírio! Cena de filme! Se o Vitor não chegasse, chegavam conversas. Papai adorava prosear: perdia o amigo, mas não perdia a prosa. Sabia como ninguém extrair o caldo de cana da vida, mesmo se nas mãos só lhe sobrasse o bagaço. Ligava não. Sabia continuar. Sabia acreditar na doçura da cana. Sempre sabia ir em frente.
Estrada do Tronco. Já por volta das sete e meia, e nada de caminhão leiteiro. Papai me mostra, então, um eloqüente pé de eucalipto, na maior pose, encostado à porteira, já ameaçando fazer sombra em tudo quanto fosse mato pequeno. Um eucalipto grande, ereto, forte, presunçoso, destemido.
- Ta vendo? Quando cheguei aqui, ele já estava ali.
Fiz que sim com a cabeça.
- Sabe pra que ele serve?
Fiz que não com a cabeça.
- Pra pouca coisa. Fazem papel dele. E não muito mais.
Continuei olhando a árvore com sentimento ambíguo: não sabia se a queria cortada pra virar caderno ou se a queria em pé, testemunha de um tempo que nunca passa porque não existe. Continuei, lá, olhando a árvore.
- Eucalipto só tem um problema – continuou papai – ele seca o chão. Onde cresce, nada mais cresce. Papai olhou pensativo a árvore grande à sua frente e terminou: Onde cresce, nada mais vive. Nem passarinho! Não tem inseto, não tem o que comer... Nem passarinho! Só o silêncio.
Não entendi muito daquela prosa. Mas fiquei ali, achando o máximo ser eucalipto.
Estrada do Tronco e nada de Vitor. Foi quando papai me lembrou da abobreira grande, no pasto do Zé Júlio, ramosa, borbotolhuda, enfeitada da flora amarela, repolhuda, escaderuda, de abóbora pescoçuda. Perto dela, o eucalipto era lambido, despossuído, desenxabido. Cada folha da abobreira tinha o tamanho de uma bacia de tomar banho. Cada embira era da largura do dedão. Do pé! Cada galho estirado dava bem uns dez metros. Era uma abobreira pra ninguém botar defeito. Abobreira pra ganhar concurso. Abobreira pra gente exclamar: “Mas que beleza de abobreira!” Claro, deixei o melhor pro fim. E o melhor era, naturalmente...
A abóbora!
Mas nem em Luminosa nem no Alegre de Cima nem na Vargem do Cândido nem nos Teodoros... (Aqui!) nem na Lua havia uma abobreira daquelas! Um despropósito! Coisa de Circo!
- Você prestou atenção no tamanho da abóbora?
Fiz que sim, mas claro que não tinha visto. Tanta coisa pra criança ver, vai prestar atenção, logo, em abóbora! Se a descrevo, hoje, é por possuir, ainda de longe, e pelo menos na minha alma, a estranheza da sua fugaz perpetuidade. Mas naquele dia eu não a notei. Só papai notou.
- Sabe por que a abóbora é daquele tamanho?
- Não.
- Porque ela se arrasta rente ao chão. Imagine aquilo num galho de eucalipto, lá em cima!
- Sim.
- Não havia jeito! Você já viu a “frúita” do eucalipto?
- Não.
- Nem tem jeito! É um “trócinho “ seco. Não faço a menor idéia pra que serve aquilo.
- Sim.
- O eucalipto gasta tudo o que tem pra ficar daquele tamanhão. Tudo o que a terra dá, ele gasta pra crescer. Já tinha pensado nisso?
- Não.
- Pois é, ninguém pensa. A abobreira não tem de manter nada, nenhuma altura, nenhuma pose. Abobreira não faz pose nem precisa se exibir.
- É mesmo!
- Então ela pode gastar tudo o que tem só naquilo que interessa: o fruto, a abóbora, entende?
- É mesmo!
Mas, realmente, havia entendido nada. Naquele dia, na estrada do Tronco, esperando um caminhão leiteiro que nunca chegava, não havia ainda aprendido o significado das coisas. Não sabia que não existem verdades, mas apenas saberes tido como verdadeiros. Não discernia a verdade suprema de que não basta ser eucalipto frondoso se o destino dele é ser cortado e se mesmo depois de cortado ele deixa atrás de si um rastro de destruição e morte na secura da terra por onde andou. Realmente, não havia aprendido que ser abobreira é ser de um jeito simples, desses que ninguém presta atenção. Mas que ser desse jeito é a condição dela frutificar a terra, retornando tudo o que recebeu e dando mais, muito mais, muito mais.
Guardei comigo, até hoje, desde aquele dia, uma lição importante. Talvez, a mais importante da vida. Se for pra ser, que seja abobreira. Que alimente quem o vier procurar. Que não seque as relações ao redor. E que seja um oásis sempre aberto, sempre puro, sempre limpo, pra todos beberem de suas águas.
Noves fora nada, é isso.
De repente, na curva que perdia o horizonte, levantou-se uma fumaça de poeira. Rapidamente a vida retomou seu curso natural e o coração das coisas voltou a pulsar. Era hora de continuar a labuta do dia e a jornada da vida. O caminhão leiteiro havia chegado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Renato, adoro ler suas crônicas, parece que o tempo não passou.É como se o sr. Antonio Lobo ainda estivesse entre nós.

Anônimo disse...

Renato, para nós, brasopolenses saudosistas, suas crônicas são um presente ! Divinas!
Fátima da Teresa Morais

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