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22 de julho de 2010

Tia Ordália - Renato Lôbo

Alguém já disse: Se queres ser universal, fala da tua aldeia. Na minha, vivia muita gente diferente e incrível. Mas ninguém mais diferente que tio Amarildo, nem mais incrível que tia Ordália. A vida os juntou, a morte não os separou, mas cada um viveu, por si mesmo, sua própria individualidade. Bonito isso!

*

Quando ela chegou, tio Amarildo olhou por cima dos óculos escuros de lentes grossas e ficou mais quieto que periquito com medo.

Mais tarde, contando a cena, tia Ordália comentou:
– Ele não disse tia, nem bom dia nem p. q. p.
Era assim que ela se referia ao mutismo total de tio Amarildo diante de quaisquer situações, circunstâncias ou atabalhoamentos.

Mutismo, aliás, que incomodava demais tia Ordália. Ele era muito sistemático. Já, ela era mulher ágil, conversadeira, fina, sofisticada no falar, elegante no trajar, vestida sempre de estampado, e grandes bobes na cabeça enfileirados que nem cafezal, brincos, anéis, colares, batons. Quando tia Ordália saía, minha mãe falava:
– A Dália nem parece casada, de tão vistosa!

E era. Casada. E era por isso que tio Amarildo ficava tão calado, sistemático que era. Mas não havia lido a letrinha pequena do contrato de casamento. Atenção nisso, minha gente! Contrato tem sempre cláusula de letra pequena: é ali que mora o perigo. A gente não lê. Quando vai ler, é tarde!

Um dia, tia Ordália falou:
– Vou ali.
– Capaz! Retrucou tio Amarildo.
-Ah! Pois decerto que eu vou.

E foi. Tio Amarildo coçou a cabeça e suspirou:
– Se arrependimento matasse!

Nisso, Monsenhor até tinha razão quando dizia que paróquia tinha dois problemas: patrimônio e matrimônio. E por falar no segundo, ele completava: Onde já se viu isso? Gente que nunca se encontrou na vida, num dia se vê, noutro, vai morar junto! Ara seja, vê se pode! E ficava horrorizado.

É claro, que não com esse exagero de exigüidade temporal. Um dia... outro dia, bem podem significar um ano... e um punhado deles. Mas não é isso que importa. O fato acima da verda-de é que Monsenhor estava certo. Emparelhar escova de dente no mesmo ambiente, se fosse só anti-higiênico, estava era bom demais. Mas isso é o mínimo. O máximo da complicação é que junto com a escova de dente vem vida, perspectiva, expectativa, contas a pagar, filhos a educar, insatisfações... um punhado de coisas, mais um pouco e tudo mais.

Jarbas, grande homem, tabelião, e filósofo de horas vagas e longas conversas, já havia dito:
– Aqui, rapaz! Casamento tinha de vir com tarja preta.
Tia Ordália 'tava era nem aí. Quando ela falava: Amarildo, eu vô... Não nasceu homem que a segurasse.

Ela usava um anel de ametista (que nem anel o do Bispo) que combinava com colar e brinco. Quando ela tudo juntava pra missa vespertina, podia saber: tão cedo não piava de volta. A devoção, mesmo, era só pretexto pro que vinha depois-da-reza: a praça, o coreto, a banda, o cinema, o serviço de som do Samuel, no alto falante do Zé do Tronco, com toda dedicação de música que seja possível de haver nesse mundo. “Alguém oferece para alguém e esse alguém sabe quem”. Um espetáculo!

Tia Ordália estava lá. Outro espetáculo! Ainda a vejo ao redor da Matriz, cumprimentado todo mundo e balançando o terço no dedo, tão vistosa e feliz... que nem parecia mulher casada!

Se isso for uma vida pequena, me avisem, por favor. Porque eu esqueci de informar na chegada ao planeta que o mais queria da vida era uma vida que fosse assim, e só assim, e talvez, pequena.

Só não se esqueçam do que eu digo sempre: pra falar a verdade, não sei bem se foi assim. Só sei que foi assim que eu vi.

Um comentário:

Anônimo disse...

Conheci Tia Ordália. Pessoa muito especial!

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