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20 de julho de 2010

O Cartório do Jarbas - Renato Lôbo



O cartório do Jarbas ficava a um tiro de espingarda da Praça da Matriz. Um dia, aparece lá um sujeito procurando pelo N.

O N. havia sido prefeito duas vezes. Administrações assinaladas por indelével e ilibada mar-ca de honestidade. Ai de quem falasse mal dele! Até Papai defendia. Certo está que não havia feito grande coisa e que, pior, até onde minha vista alcança, havia derrubado o coreto (O Coreto!) da Praça da Matriz, a fim de construir sei lá o quê que saiu dali e que saiu sem parecer com coisa alguma. Levou tanto tempo pra nova Praça sair da intenção, que o povo, na época, chamava ao lugar de “Pasto do Prefeito”. Era mato só.

Outra característica marcante da “Administração N.” foi o apetrecho gramatical incondolenciável dos seus discursos. (Diziam que quem escrevia era Dona A., Professora e Diretora de altas categorias. Mas isso lá tem importância?) N. falava tão bem que dava gosto ouvir. Lembro que Papai contava que quando foi a vez de aparecer por lá sei lá quem de gloriosas patentes, teve até bispo! E N. falou bonito, daquele jeito que dava gosto. Leu que leu, e esqueceu o que havia lido, passou tanta página pra trás que a de trás chegou na frente, e ele começou (tudo) outra vez. E quando se deu conta do desafortunado reiniciamento, apartou-se do texto escrito e embrenhou-se na mata do improviso. E dali não saiu vivo.
-Senhoras e Senhores – disse por fim – entrei num beco sem saída. E tenho dito.
Esse era N.: o condutor da barca perdida.

Pois é. Apareceu no cartório do Jarbas um sujeito, sabe Deus de onde, procurando, jus-tamente, por essa distinção de que lhes falei. Logo, Jarbas deu de perceber que o distinto não só era de boa chegança como também não fazia a menor idéia de quem fosse o procurado. Fato, esse, aliás, detentor do equilíbio funcional da história.

-Mas como, então, rapaz! Você não sabe quem é N.?
-Sei não senhor.
-Ah! Mas isso é a coisa mais fácil do mundo! E Jarbas bateu na perna, que, naquele tem-po, ainda tinha. (Mas essa eu conto depois.) Mostrou as duas torres da Matriz, lindas, de dar arrepio de orgulho em quem saiu de elá, só de lembrar, e falou:
-Ta vendo a torre da Matriz?
-To sim senhor.
-É lá, rapaz, na Praça, bem na frente da Matriz, do lado direito de quem chega, pareando com a Rua do Meio e a Rua de Baixo. Entendeu?
-Entendi, sim senhor.
-Mas tem um problema.
E Jarbas coçou o frondoso bigode, que ora vinha ora ia, coisa de quem lida com autoridades.
-Você nunca teve mesmo com ele?
-Tive não, senhor.
-Hum... - Coçou de novo o bigode – é que ele é surdo de tudo, rapaz, surdo que é uma porta.
E bateu bateu na mesa para enfatizar a surdez de que era profeta.
-Dá até pena! Olha só, você tem de falar muito alto. Muito! Senão ele não ouve nada. Ou-viu?
-Ouvi, sim senhor.
E lá se foi o bom homem.
No que saiu, Jarbas passou a mão no telefone e ligou pro N.
- Simmm! – Atendeu do outro lado sonora voz.
-Ô meu amigo! É o Jarbas. Como tão as coisas?
-Sempre como Deus é louvado!
Não havia tempo a perder. Jarbas foi direto ao tema.
-Fulano! Acabou de passar por aqui um sujeito a sua procura, e eu mostrei sua casa.
-Fez bem. Fez bem. – Falou o emérito.
-Só tem uma coisa. Precisava dizer pro cê, rapaz. O sujeito é surdo de tudo. Surdo que é uma porta. – E bateu, de novo, na mesa, só pra enfatizar a surdez.
-Se ocê não falar bem alto com ele, alto, entendeu?, ele não vai ouvir nada.
-Deixa comigo.

Despediram-se. E Jarbas passou o resto do dia propenso a tanta resolução que nem se lembrou de perguntar se os dois conseguiram ouvir um ao outro.

Mais tarde, ficou-se sabendo do fato estranho, nunca dantes contemplado, que que N., homem bom que era, gritasse daquele jeito. E com um sujeito para quem se havia acabado de abrir o portão, tão logo a campainha soou. E o pior, vocês não sabem! O sujeito também gritava com o anfitrião. E balançava as mãos, no ar, fazendo gestos.
-Imaginem só! – falaram todos – Até parecia coisa de surdos!
Coisa de surdo, não sei. Mas coisa de Jarbas, ah! E essa é uma só. Tem mais... tem mais...

Pra falar a verdade, eu não sei se foi assim. Só sei que foi assim que ouvi.




NOTA DO JORNAL: HOJE, DIA 20 DE JULHO, DIA DA AMIZADE, FAZ EXATAMENTE 10 ANOS DA MORTE DESTE QUERIDO AMIGO JARBAS GUIMARÃES NETO...DEIXOU SAUDADES!

Um comentário:

Fernanda disse...

ADOREI A MENSAGEM. HOJE 10 anos da morte de meu pai de coração, essa mensagem me traz um alento pela falta de uma pessoa tão especial para mim e para todos os brasopolenses. Foram 24 anos de convivência e que nada e nem ninguém conseguirá tirar de dentro do meu coração e da minha vida. Tive 2 privilégios: convivi com 2 pessoas maravilhosas e especiais: minha mãe Teresa Moraes e Sr. Jarbas. E a "Nandinha" (como ele me chamava) tem muito orgulho de poder chamá-lo de meu PAI

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