Num país
atrasado como o nosso, os antigos paradigmas do primeiro mundo de cinquenta
anos atrás, já há muito superados por lá, são o atual credo por nossas bandas.
O caso de amor do Brasil com o asfalto, por exemplo, vai além de qualquer
argumento racional quanto à utilidade desse material para a pavimentação das
ruas. O asfalto, no Brasil, não é apenas um material: é um símbolo de uma certa
idéia (retrógrada) de “progresso” que se impõe contra todas as evidências. Vide
o caso de uma rua recentemente asfaltada em São Bernardo do Campo:
Notícia
veiculada no portal Terra trata de uma cobertura de asfalto que, recém-aplicada
sobre uma rua de paralelepípedos na dita cidade, começou a se deteriorar,
deixando o calçamento original exposto. A prefeitura reconhece que se tratou de
uma “operação de emergência” sem pretensão de serviço de primeira, mas isso
evidentemente não é desculpa.
Asfalto e
progresso
Imaginário
coletivo sobre o asfalto
Mas o “xis”
da questão é outro. O drama da rua em questão gira em torno da noção de que
asfaltar é indiscutivelmente um progresso. Mas será mesmo? A notícia dá a
entender que, havendo tempo para um reparo mais demorado, a equipe da
prefeitura retornará para refazer o asfalto. Ou seja, em nenhum momento se
discute o mérito do asfalto — apenas a qualidade da execução. O cidadão enxerga
asfalto e o seu subconsciente visualiza infra-estrutura urbana. Tantos
componentes invisíveis e imprescindíveis da dignidade urbana para comunidades
inteiras, como rede de esgoto, água potável, e ruas transitáveis o ano todo, já
são logo imaginados quando o candidato a prefeito chega no bairro e promete
apenas o elemento mais visível dessa infra-estrutura: —Vou asfaltar tudo isso!
Nesse
imaginário, parcial e reducionista como toda construção mental, não são
esquecidos apenas o encanamento, a boca-de-lobo, e outros apetrechos essenciais
do saneamento. Esquecemos que o asfalto compõe apenas as camadas superiores de
uma obra muito mais profunda. Para asfaltar, é preciso todo um preparo de
substrato, como camadas e mais camadas de brita e areia, até se chegar nas
camadas sobrepostas de asfalto. Somente assim temos um “asfalto” durável,
resistente, áspero e plástico na medida certa.
Então vale
perguntar: a prefeitura de São Bernardo do Campo pretende fazer essa obra por
inteiro, ou só voltar com outra camada superficial de asfalto que em mais um mês
estará erodida, comprometendo a funcionalidade e a segurança da rua?
Considerando o retrospecto nacional nessas questões, não tem nem graça apostar.
Desvantagens
naturais do asfalto
Agora, mesmo
que a prefeitura fosse fazer um serviço de primeiro mundo, ainda assim não terá
valido a pena. Primeiro, porque é da natureza da pavimentação asfáltica
deteriorar-se em relativamente pouco tempo (o que, em países civilizados onde
as empreiteiras fazem o serviço de acordo com especificações técnicas adequadas,
não é tão pouco tempo quanto o pouco tempo daqui). A função do asfalto é
aumentar o conforto e diminuir o consumo de combustível dos veículos. Portanto,
ele deve ser relativamente contínuo, com o mínimo possível de juntas, e
relativamente macio (comparem o que é dirigir no asfalto e dirigir em pistas de
concreto).
Portanto,
duas deformações naturais (inevitáveis) do asfalto são aquela causada pela
dilatação térmica (agravada pelo asfalto ser preto, e resultando em fissuras
quando da contração correspondente), e a causada pela tração dos veículos
(deformações e os conseqüentes buracos surgem primeiro nos pontos de freada e
aceleração mais freqüentes). Claro que uma drenagem pluvial mal projetada ou
executada piora o problema dos buracos, tanto quanto um substrato mal feito. Em
resumo, mesmo em condições ideais de projeto, execução e uso, as ruas
asfaltadas precisam ser recapeadas (quando não inteiramente refeitas) com
bastante freqüência.
Enquanto
isso, a pavimentação com paralelepípedos de pedra, apesar de não ser a panacéia
do calçamento (não vamos radicalizar), não é só, como muitos pensam uma maneira
de preservar o caráter de centros históricos, mas tem vantagens práticas bem,
digamos, “modernas”.
Comparação
dos paralelepípedos com os blocos intertravados
Antes de
mais nada, é bom deixar claro que estou falando de paralelepípedos de pedra (os
autênticos), e não dos infames blocos intertravados de concreto, vulgos
“blocretes” ou “paralelepípedos de concreto”. Se tem uma pavimentação mais
efêmera que o asfalto, é o blocrete. Blocretes são caros para instalar, caros
para manter (apesar do argumento de que “é só substituir o bloco quebrado”), e
a própria viabilidade da sua manutenção é questionável, já que se trata de
modelos comerciais que podem sair de linha ou estar indisponíveis quando mais
se precisa deles.
Além disso,
na medida em que os blocos intertravados geralmente dependem da aderência
mecânica (atrito) de uns com os outros, eles estão também vulneráveis à ruptura
por dilatação térmica e à propagação de tensões que fazem com que os danos
sejam sempre mais extensos do que “um só bloco quebrado”; o paralelepípedo, ao
contrário, tem aderência mecânica com o substrato e não com o paralelepípedo
vizinho.
Isso sem
falar que, assim como o asfalto, o concreto é um material altamente
industrializado, cuja fabricação é muito poluente e dependente de recursos
não-renováveis. Se for para usar blocos intertravados, que seja só em
estacionamentos ou vias residencias com volume de trânsito desprezível.
Meio
ambiente
Paralelepípedos
de pedra, em contraste, são, bem… de pedra. E, apesar do ditado, a água mole
vai demorar muito mais a furar a pedra dura do que ao asfalto ou ao concreto.
Tudo bem que a pedra também é um recurso não-renovável e que pedreiras também
degradam o meio ambiente. Mas, entre dois materiais (betume do asfalto e
cimento do concreto) que, além de não renováveis têm uma durabilidade muito
pequena e dependem de um processo de industrialização de alto impacto
ambiental, e outro (a pedra) que, apesar de não renovável, é pouco
industrializada, pode na maioria dos casos ser extraída a pouca distância da
cidade onde será usada, e dura séculos, qual a escolha ambientalmente mais
racional? (Tudo bem, se o objetivo for durar só até a próxima eleição, aí o papo
é outro…)
Envelhecimento
Outra
vantagem do paralelepípedo, que pode ser qualificada de “inútil” por alguns
materialistas mas que faz todo o sentido no âmbito da percepção de dignidade
urbana mencionada acima: a pedra é um material que envelhece estética e
funcionalmente melhor do que qualquer outro. E não venham me dizer que uma
manutenção “adequada” evita os problemas do envelhecimento — em primeiro lugar
porque essa manutenção preventiva nunca acontece na prática, e em segundo
porque essa necessidade de manutenção constante é um atestado da falta de
durabilidade natural do asfalto e do concreto.
Segurança no
trânsito
Finalmente,
em termos estritamente funcionais (“até a próxima eleição”), a principal
“desvantagem” atribuída ao paralelepípedo em comparação com o asfalto pode ser,
quando bem aproveitada, uma vantagem. Por sua natureza, o calçamento de
paralelepípedo não oferece tanta suavidade nem tanta aderência aos veículos. Em
termos “negativos”, isso significa menos conforto para o motorista e os passageiros
(principalmente em alta velocidade e com a rua molhada). Na lógica retrógrada
ainda dominante no Brasil, mais conforto ao dirigir = mais segurança = menor
risco de acidentes. Na Europa esse entendimento já foi ultrapassado pela
constatação de que mais conforto = mais ilusão de segurança = maior velocidade
= maior risco de acidentes.
Com isso
podemos atribuir ao asfalto e ao paralelepípedo seus nichos “naturais”. O
asfalto é indicado onde o conforto e a fluidez no trânsito são prioritárias: por
exemplo, em rodovias, grandes avenidas sem especial interesse urbanístico, onde
haja trânsito intenso e especialmente circulação de veículos pesados
comerciais, assim como em corredores de ônibus expressos. Já o calçamento com
paralelepípedos é mais adequado sempre que a intenção for aumentar a segurança
do pedestre, restringindo a velocidade dos carros, desestimulando a direção
perigosa, bem como desviar o tráfego de longa distância e de veículos pesados
para outras áreas da cidade.
Isso
depende, claro, de um planejamento de transportes urbanos que permita esse
desvio — se não houver caminho alternativo, caminhões desgovernados vão
continuar atingindo os chafarizes de Ouro Preto, com ou sem paralelepípedos no
chão. Também é preferível o calçamento com paralelepípedos sempre que não
houver previsão de monitoramento constante do estado de conservação da pista —
como é o caso na maioria das ruas em qualquer cidade —, já que a durabilidade
dos paralelepípedos é incomparavelmente maior.
Rua é lugar
de quem?
Essa questão
da segurança no trânsito me lembra o papelão de um juiz, há alguns anos atrás,
que determinou (sem muito sucesso) a retirada das mesas de bar que ocupavam as
calçadas do centro histórico de Pirenópolis. O argumento do meritíssimo
magistrado era o de que, com as mesas ocupando as calçadas, os pedestres têm
que circular no meio da rua. Ora, como dá para ver na foto que ilustra este
post, os pedestres não parecem nem um pouco incomodados em ter que andar pelo
meio da rua — o que eles têm que fazer em qualquer circunstância, já que mesmo
durante o dia, quando as mesas estão recolhidas, a calçada mesmo desimpedida é
estreita demais.
Além disso,
graças ao calçamento com paralelepípedos, e à própria quantidade de pedestres
ocupando a rua, os veículos são obrigados a circular em baixa velocidade e com
atenção redobrada, aumentando a segurança para todos. Mas talvez o juiz em
questão estivesse mais preocupado em ver a “sua” rua desimpedida de reles
pedestres do que com a segurança e a urbanidade de todos.
4 comentários:
Ótimo texto "técnico" de um grande observador e que vive de fato a cidade, parabéns!!!!
Viva o urbanismo para as pessoas!!!!
Eu recuso ter lido esta porcaria de comentário..Este camarada deve morar lá no quebra perna ou no lugar que o judas perdeu as botas. Cidade asfautada segnifica cidade limpa....... Nada a ver com progresso. Pois tudo que traz conforto e qualidade de vida é desenvolvimento e progresso, coisa que Brasopolis nunca teve e nunca vai ter. devido a essas cabeças ocas e vermentas que administra a nossa tão querida e amada Brasopolis.Se me deixassem ser algo nesta cidade, eu cobriria de massa asfautica essa cidade, para cobrir tudo de ruim que ai tem,pessoas que não mereciam sequer se chamados de brasopolensses, e no entanto estão ai no poder,destruindo toda nossa historia... ressucita Antonio Gomes, Jose Fernandes, Verguerinho. ressucitem por favor e venhan dar uma forcinha pra n/os.Que pena eu tenha me identicar como anônimo. Sabe porque ,porque estes covardes são todos vingativos.
Anonimo das 16:55, cara deixa de ser ignorante, só falta você querer o lixão de volta e os urubus na praça do mercado novamente mostrando toda sujeira praticada pelos administradores da época!!!!!!!estude um pouca cara para não falar porcarias no ouvido de ninguém.
Meu Deus , este aí não sabe o que fala . ANONIMO DO DIA 8.
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