Ela
é a dona de tudo, ela é a rainha do lar, ela vale mais para mim, que o céu, que
a terra, que o mar...
Não sei quando, nem
imagino, mas um dia essa história de morte entrou no mundo como um furacão
devastador, tipo Sandy, e passamos a ter um medo pavoroso de tudo quanto se
associe a essa simples palavra. Morte. Psiu! Não fale que dá azar! Ou: fale
baixo que ela escuta!
Sim, mas ela, quem? A
Dona Morte? A mesma que o Pobre de Assis chamou de irmã? Não. Para ser irmã, do
tipo daquela que a gente ama muito, não pode ser devastadora. Sandy não é irmã.
Sandy é um furacão. Irmã é outra coisa.
Só que ela nos visitou
duas vezes em menos de um ano. Insistente, essa irmã! Duas vezes em menos de um
ano. Só espero que não tenha vindo de malas e chinelos. Se for, realmente, irmã
como cantou o de Assis, deve ser daquelas que abandonaram a família e caíram na
vida e ficaram faladas – credo! – sem conserto.
Duas vezes em menos de um ano. Vem cá, Dona: a
senhora não tem mais o que fazer, não, é?
Ela
é a palavra mais linda que um dia o poeta escreveu. Ela é o tesouro que o pobre
das mãos do Senhor recebeu.
É. Não, foi. Não, é.
É, sim. Ainda é. Sempre será. A palavra mais linda que um dia o poeta escreveu.
É, sim. A palavra mais linda... É, sim. A primeira que a gente falou. Aquela
que a gente gritava impertinente quando chegava a casa, uma, duas, três vezes,
só pra responder (Nada, não!) quando a voz bradava irritada de algum lugar (Que
foi?). É! Na verdade, ela sabia que era só pra gente dizer “Nada, não”, quando
ela respondesse. E ela sempre ficava irritada. E a gente adorava aquilo.
Ela é a palavra mais
linda, mais amada, mais falada. Aquela que não se esquece jamais. Que pra falar
a gente bate um lábio no outro, fechando e abrindo, como se jogasse um beijo. A
palavra mais linda também é um beijo. Melhor, dois beijos: Ma... mãe!
Mamãe,
mamãe, mamãe! Tu és a razão dos meus dias, tu és feita de amor e de esperança.
Ai,
ai, ai, mamãe! Eu cresci, o caminho perdi, volto a ti e me sinto criança.
Nunca mais os
biscoitos de polvilho, né? Nunca mais a panqueca de banana! Nem o eterno frango
assado com batatas. Nem a eterna briga porque a gente não queria mais comer.
Nem a eterna confusão quando o Aloisio chegava com duas horas de atraso para o
almoço. Nem a eterna resmungação quando alguém aventava a hipótese, se bem que
remota, de você não estar certa – Deus nos livre! – naquele ponto de vista que
até mesmo você sabia que não estava certa. Ah! E por falar nisso, acho que
agora podemos concordar que “amarelo” não é “marelo” só porque “marrom”,
filosoficamente falando, não é “amarrom”. Certo? Em caso de dúvida, consulte
São Pedro, OK?
Mamãe,
mamãe, mamãe. Eu te lembro o chinelo na mão, o avental todo sujo de ovo...
Mãe, tu era uma
figura! Horrorosamente impar! Impressionantemente singular! E é assim que
queremos nos lembrar de você. Uma figura. Personagem de filme europeu. Não,
não. Muito melhor: personagem de filme brasileiro. Você não ficava devendo nem
um pouco para as produções da Vera Cruz. Derci? Perdia, era longe!
Aquela cena do vovô
ensinando você a manobrar a Brasília 78 bege, lavada e enxugada dez vezes por
dia, já foi tema de debate em muitos fóruns familiares. Pena que você não foi
para a Atlântida! Pena que a tia Jandira não cantou na Rádio Nacional! Pensa
que tanta coisa passou a gente não pegou! Eu cresci, o caminho perdi... Voltar
a ti pra ser criança, só no sonho. Que pena!
Se
eu pudesse eu queria, outra vez, mamãe, começar tudo, tudo de novo.
Cantamos isso pra você
no seu ouvido, minutos antes de você ir embora. Você ouviu, mãe? Se não ouviu,
azar o seu, porque cantamos lindo. Você estava ainda lá, mãe? Acho que sim. Nos
últimos dias você não esteve mais. Mas, naquela hora, eu quero e preciso acreditar
que ainda estava. Por mim, mãe, egoisticamente por mim. Porque eu sou seu filho
e os filhos adquirem o direito de serem egoístas assim que são gerados. Eu,
pelo menos na minha vez, não dividi seu útero com ninguém. Depois vieram os
outros seis. E agora só ficamos seis... Mas cada um é único, né!
Se
eu pudesse eu queria, outra vez, mamãe, começar tudo, tudo de novo.
Atendendo a milhares
de pedidos, cantamos pra você, um pouquinho antes daquela hora, a mesma música
que cantamos no seu ouvido quando acreditávamos que você ainda poderia ouvir.
Eu sei que essa música ficou contaminada do momento e que agora não mais será
cantada nem mesmo como a gente fazia “só pra tirar uma de você”. Mas se você me
ouvir assoviando a melodia, antes que eu me dê conta do sacrilégio e pare,
aproveite o som, porque será sempre para você. Mesmo se eu ainda estiver
“tirando uma de você” pelas incontáveis impertinências com que você regou a
nossa existência, mesmo assim, será sempre para você. Não sei se você foi a
dona de tudo ou a rainha do lar. Apenas suspeito. Mas sei que será sempre a
palavra mais linda que um dia o poeta escreveu. Sem dúvida.
Ela
é a dona de tudo
Ela
é a rainha do lar
Ela
vale mais para mim
Que
o céu, que a terra, que o mar
Ela
é a palavra mais linda
Que
um dia o poeta escreveu
Ela
é o tesouro que o pobre
Das
mãos do Senhor recebeu
Mamãe,
mamãe, mamãe
Tu
és a razão dos meus dias
Tu
és feita de amor e de esperança
Ai,
ai, ai, mamãe
Eu
cresci, o caminho perdi
Volto
a ti e me sinto criança
Mamãe,
mamãe, mamãe
Eu
te lembro o chinelo na mão
O
avental todo sujo de ovo
Se
eu pudesse
Eu
queria, outra vez, mamãe
Começar
tudo, tudo de novo.
4 comentários:
Lindo!!! Emocionante. Tenho a certeza de que você jamais esquecerá aquilo que viveu e aprendeu com ela. Deus a quiz ao seu lado. Fique em Paz, Deus estará com você para compensar essa grande perda.
Parabens, Renato! Belas palavras para lembrar de pessoa tão querida. Ao ler lembrei-me de minha saudosa mãe. Peço licença e autorização para copiar e guardar. Abraços.
Renato, como é lindo e profundo tudo isso!
Doi na alma da gente! Saudade imensa de momentos que não voltarão jamais! Abraço grande!
Fatima Da Teresa Moraes
Obrigado, amigos queridos. Augusto, pode copiar, claro. Fátima, tamos juntos agora. Obrigado de todo coração. Renato.
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