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24 de junho de 2016

VESTIDA DE SOL - Renato Lôbo

Em Paris, uma congregação religiosa mantinha um elegante restaurante com finalidades catequéticas. Sei que parece esquisito, mas na França da diversidade nada é muito estranho. A um canto do jardim, as freiras mantinham uma discreta gruta de Lourdes, e em todo final do dia, ouvia-se uma suave, quase imperceptível, melodia mariana.

Certa noite, à saída do restaurante, uma família de judeus percebeu aquele toque religioso. O avô judeu retornou, esbugalhado, e criticou a freira por não usar de bom-senso nem ser de bom-tom um som daqueles, numa ocasião daquelas, num lugar que ademais prometia ser tão elegante. Ao invés de proferir um inflamado discurso em tom apologético, a freira apenas explicou ser aquela uma singela homenagem “à mais bela das filhas de Abraão”!

Né???

Qual não foi a surpresa quando no dia seguinte chegou ao restaurante um buquê de flores brancas, sem remetente, porém dedicado “À MAIS BELA DAS FILHAS DE ABRAÃO”.

Simples! Como água. Se explicar, estraga.

Falo isso pensando na quantidade de intérpretes bufantes das intenções divinas.

Do canto de sereia da TV ao canto da praça há sempre alguém que sabe exatamente, e sem grandes pudores, o que Deus quer e o que mandou falar. Isso já não deu certo! Dos cruzados e inquisidores ao partido nazista, todos, todos tinham certeza paranoica de cumprir o mandato legal  de representar a vontade de Deus.

Cuidado!

Se a experiência religiosa não for maior que o sedentarismo das ideias e não se sobrepuser a interesses sectários mesquinhos, tenha certeza, não vale a pena. Religião é coisa séria: deveria sempre congregar, jamais desunir. Se complicar, evite; se oferecer fácil demais, recuse; se cobrar algo em troca, fuja: é fria!

Religião sem sutileza dá no mesmo que fazer carinho com mão suja. A religião deveria vir sempre vestida de sol.

Como as palavras!

Nós esculpimos as palavras. Mas, às vezes, são elas que nos esculpem. O poder salutar da palavra é quase tão afiado quanto seu conteúdo corrosivo. Não há nada mais deletério que uma leitura literal dos fatos e dos textos. A leitura literal exige que se leia ao pé-da-letra. O pé-da-letra é o coice da palavra. Nunca nenhum segmento humano saiu fortalecido de uma leitura ao pé da letra. Saiu escoiceado. Isso é fácil de constatar!

Por isso, antes de falar de Deus, é bom perguntar:
- O que eu vou falar cumprirá o primeiro princípio universal de jamais causar dano?
- Terá a possibilidade de ser entendido nas expressões de todas as culturas, onde quer que vivam homens de boa-vontade?
- Será compreendido e poderá ser aceito, pelo menos, pela maioria das fragmentações religiosas?
- Será admirado pelos mais contumazes agnósticos?
- Será levado em consideração até pelos descrentes?
- Entenderá a fundo as mazelas da família humana?
- Terá um brilho de beleza, de verdade e de universalidade?
- Será portador da luz?

Se a resposta a essas questões for SIM, é porque a fala está pronta. Fale!

Como se sua fala estivesse vestida de sol.

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