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13 de setembro de 2010

A GALINHA “LÉBISCA” – Renato Lôbo

Não fosse pelo tanto de água que caiu sem dó nem piedade naquela tarde, corria ele o risco de passar pela vida sem saber de nada do que acontecia por lá. Mas a chuva o reteve, tio Amarildo ficou mais um pouco no sítio e soube tudo de fonte limpa, da boca do caseiro.

O caseiro era o Adão. E se tio Amarildo agüentava o Adão, não era tanto por aquilo que ele fizesse. Na verdade, ele não fazia grande coisa. Consertava umas cerca, plantava umas couve, colhia umas laranja, descascava uns pé de bananeira, caiava umas parede, regava umas planta, encharcava umas jabuticabeira, tratava de umas galinha, apartava umas vaca, levava uns latão de leite pra estrada, podava umas parreira, rachava umas lenha. Tudo as-sim: começado no plural e destroçado no singular. E tudo muito “umas” e “uns”. Nada inteiro, só pelas beiras, pelas bordas, pelas metades.

Se fosse por tia Ordália, Adão não ficava nem mais um dia lá.
- Só você não vê que o sujeito é um vagabundo – dizia, todo dia.
Mas tio Amarildo mantinha o Adão no sítio por não haver ninguém como ele pra contar uma história, causo ou piada. Ninguém! Na verdade, o que não expulsava o Adão do paraíso era, sem dúvida, o fato dele ser a única pessoa que fazia tio Amarildo conversar, se abrir e dar risada. Ninguém mais!

Naquele dia, depois da chuvarada, Adão chamou tio Amarildo, levou-o ao meio do quintal e lhe mostrou uma galinha bonitona, grandona, vermelhona, com um jeitão meio esquisito no portar.
- Ta vendo – e mostrou com o dedo – aquela galinha é “lébisca”.
- Que é isso, Adão?
- “Lébisca” é quando uma galinha não gosta do galo.
- Larga mão de bobagem, homem! Vê se pode?
- Então, pres’tenção. Olha só o jeitão dela.

E não é que a galinha era mesmo... portentosa? Andava de peito aberto, erguia a crista, não ciscava igual às outras, só dormia no poleiro de cima e tinha até uma pré-espora despontan-do logo atrás do calcanhar. Mas o mais importante não era isso! Bastasse Tibúrcio, o galo, cantar de manhã, cedinho, que ela também ensaiava um cocoricó desafinado, desajeitado e despossuido. Tentava, pelo menos. Ninguém podia negar.

E tem mais. Quer ouvir? Não andava atrás de galinha, mas também não enxergava o galo. Tibúrcio, galo índio, vaidoso, se passasse perto dela era na desqualidade de sujeito mais in-visível e indesfrutável do terreiro. Ela... nem te ligo! Mas, ouça essa, o curioso era que “nem te ligo” da mesma forma para nenhuma outra criatura do universo emplumado: galináceo, columbáceo, canarinháceo, periquitáceo, papagaiáceo. Nada que carregasse pena valia a pena pra interessar a ela.

E mais: nenhum ovo. Nunquinha!

- Eu vou matar ela, Sô Amarildo. Só pra ver.
- Que matar o quê!. Ara seja! Deixe que ela tenha a sina dela – filosofou tio Amarildo.

E a galinha cresceu. Aprontou-se. Embonitou-se. Amadureceu. Virou tia e até tia-avó do res-tante do galinheiro. Ganhou nome: Marilda, escolhido pelo Adão em homenagem ao Sô A-marildo. De cujo qual, ele esticava bastante o “i” toda vez que a chamava com milho: “Mariiii-irda”. E lá vinha ela, entre os respeitos da população aviária, sempre cultivando as prerroga-tivas do posto e a pose conquistadas.

E foi daí que Adão, praticamente, esqueceu a pesquisa.

Tempo vem, tempo vai, morreu Marilda. Três dias de luto fechado, clamor geral! Houve veló-rio, café com bolinho e enterro. Só não houve encomendação porque o padre não achou de direito. Mas bem que a ocasião merecia!

Porém, naquele mesmo dia, antes dos arranjos funerários, Adão convocou tio Amarildo pra reunião a portas fechadas. Era a hora. Agora, ou nunca mais. Era preciso saber. Amanhã: tarde demais!

Tio Amarildo autorizou a autópsia. Adão procedeu à necropsia. E veio com o resultado, lite-ralmente, concretamente, em mãos. E de olho arregalado pronunciou o veredicto:

- Sô Amarildo, olha só! Levou um tempão pra gente saber, mas ta aqui a prova dos nove.

E apresentou o material necropsiado com o laudo:
- Não era galinha “lébisca”. Era galo “gâyo”.

Ta explicado!

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