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7 de setembro de 2010

Seu Dedé e a beira do rio - Renato Lôbo


Se tem coisa que dá gosto lembrar é de quando Seu Dedé desatinava a teimar com a mulher sobre qualquer coisa de tão menor importância que nem vale a pena registrar aqui o motivo. Só os desenrolamentos e as conseqüências!

Seu Dedé, ao que conste, nunca fez coisa com coisa. Mas vivia bem, morava bem, vestia bem, usava pince-nês preso à cinta por porta-óculos de couro marrom que abotoava num téc. Era homem tão despretensioso quanto estiloso. Não havia quem dissesse um triz dele. Sei que dirigia carro. Só isso. Se um dia foi motorista, não sei. Se um dia dirigiu algum negócio, também não sei. Se um dia cumpriu seu mandato na vida, sei não.

Nos últimos tempos de papai, saíam os três: papai, minha mãe e ele. Um trio combinado, que até daria falatório, não fosse o fato, sobretudo, prosaico de ali, realmente, não ter mesmo nada do que falar. O povo aumenta. Não inventa. Mas, ali, não havia nem o que aumentar. Viajavam na Brasília nova que Papai cuidava melhor que muita mãe cuida de filho pequeno. Lavava tanto e esfregava tanto e enxugava tanto que até descorou. Era o maior orgu-lho dele, a prova incorruptível de que a vida lhe havia valido a pena. Imaginem, uma Brasília!

Quase esqueci. Não havia conversa onde seu Dedé não tivesse a mínima porção de ingerência a acrescentar. Tudo e de tudo ele sabia. Quando, por algum lapso de memória passa-da ou invencionice futura, ele era pego desprevenido no meio da fala e o algoz o inquiria com o jeito mineiro de levantar tal coisa, ele batia na perna, mostrava a mão pra cima e dizia:
- Então, num disse!
E dava por encerrado o caso.

Pois bem. Seu Dedé era casado com Dona “Não Me Lembro o Nome”, uma mulher alta, brancona, de voz fina, e que destoava da fineza de Seu Dedé. Brigavam. Claro. Como man-da o santo sacramento do matrimônio, amém.

Quando quero avaliar se um casamento virou amizade ou irmandade, vou logo querendo saber se o casal briga ou não. Se brigar muito, virou atrocidade. Se brigar pouco, virou irmandade. Se não brigar nada, virou amizade. O casamento do Seu Dedé, decerto que estava naquela curva antes da atrocidade e depois da irmandade. Brigavam, sim. Mas por motivo que não havia nesse mundo quem avaliasse que fosse causa de desavença. Alguém se lembra daquilo que já disse, que casar é a coisa mais fácil do mundo? É só arrumar padre, noivo, noiva e igreja? Coisa boba, de tão fácil? Na prática, a teoria é outra. Escutem essa.

Um dia, num desses bafafás em que a prática desmonta a teoria, a mulher do Seu Dedé fa-lou que ia se matar: ia, porque ia, e não adiantava segurar. Saiu pela rua, desembestada e descabelada, e foi. Passou tempo, e nada. Passou mais tempo, e nada. Foi querendo dar de escurecer, e nada. Seu Dedé ficou preocupado. Saiu atrás dela e foi encontrá-la, de cócoras, à beira do rio.

-Uai! Que que ocê ta fazendo aí, mulher? Num falô que ia se matá?

E ela:
-E ocê queria o quê? Que eu pulasse nágua depois de passá rôpa? Num ta vendo que eu ainda tô de corpo quente?

A vida é ficção. Aliás, isso daqui é ficção. Procurar alguma semelhança com a realidade é catar chifre em cabeça de égua.

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