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3 de agosto de 2010

SEMENTE - Renato Lôbo


Você nasceu semente. Pense na semente.
A semente quando nasceu era só semente. Tudo que você conhece dela é o que vem depois dela. Nunca o que vem antes. Ninguém sabe quando a semente pode tratar-se a si mesma como semente. Há um longo processo para ela se constituir semente. E disso quase nada sabemos. No máximo, permitimos que a semente seja o que a ela sempre coube ser: apenas semente. Ser semente, para ela, é ser quase tudo.

Pensou na semente? Agora, olhe a semente.
Uma vez virado broto, vai pensar em virar árvore. Mas ainda continua semente. É que ser semente é ser só. Pode estar cercada de milhares de outras sementes, exposta a passar por todas as mãos e todas as mãos sobre ela, sacudida, abanada, soprada, pesada, calculada... Mesmo assim, sempre só. Sina de semente é ser só. Perdida no meio das outras, escondida no meio das outras. Pouco importa. Ser semente é ser sempre só.

Olhou a semente? Então, ouça a semente.
O que lhe diz a solidão da semente? Nada. Não diz nada. Semente não fala. Ela não só é sozinha. Mais do que sozinha, na maioria do tempo, ela também é muda. Porque faz parte da semente ter tudo a dizer, e nada conseguir falar. Ser semente é ser somente semente, sempre silente e só.

Ouviu a semente? Agora, toque a semente.
Sinta o toque dela no seu e deixe que ela fale. Agora, sim, ela fala. Semente não fala pela boca que não tem. Fala pelo toque que promete. O toque da semente no seu decodifica algo seu a seus próprios olhos, explica você a você mesmo, desempena quem você é. Porque você também é semente. Esqueceu? Você também é só. Lembrou? Você também não con-segue dizer tudo o que é. Nem para si mesmo nem para ninguém.

Tocou a semente? Prove a semente.
Quanto gosto há nela? Todos os sabores se encontram ali. Mas você não sente nada. Nada mesmo. Sabe por quê? Porque não está pronto para sentir. A vida toda você só conseguiu reconhecer o gosto daquilo que já lhe tivessem mandado sentir. Nunca provou por si só. Nunca sentiu por si mesmo. O gosto da semente (que gosto tem?), você só vai estar pronto para sentir quando romper sua própria casca. Chega a hora de permitir nascer o broto novo, que nem você sabia que estava ali.

Provou a semente, não é? Agora, plante a semente.
Mas não plante na pedra. Não a enterre no chão seco. Nem a guarde no mais belo cristal com tampa de ouro. Não jogue a semente fora como se faz do milho aos pombos. Isso é a morte da semente. Se possível, encontre um lugar no canto da horta ou do jardim. Serve até beira da estrada. Cave. Adube. Regue. Cuide... Espere. Nada supera a espera.

Ah, não force a casca da semente. Ela só se abre por si. Não revolva a terra em busca de resultados. Semente só nasce por si. Não adiante o relógio. Semente tem seu tempo próprio. Destino de semente é... Nem sei o que é. Semente não nasce semente. Semente não morre semente. Semente não nasce nem morre. Ela se deixa nascer. Ela se deixa morrer. Sina de semente é... esperar... o momento de deixar de ser semente.

Somente mãos maduras sabem lidar com a semente. Pensar, olhar, ouvir, tocar, provar... Esperar a semente esperar. Semente passa, de um momento a outro, por mãos sem pressa, que cuidem do tempo dela.

Um dia, não haverá sequer sinal da semente. O sinal da semente será a árvore. Sem que nenhuma delas saiba coisa alguma da semente. Sem que nenhuma delas traga escrito o que um dia foi. Semente não precisa saber da árvore. Árvore não precisa saber da semente.

E o semeador?
A ele a espera, o vazio das noites, o clamor do dia, a perda a colheita. Tudo isso faz parte do ofício desbotado do semeador e da vida silenciosa da semente. Silenciosa, indestrutível e forte. Forte porque indestrutível. Indestrutível porque silenciosa. Resistente, ela sabe que tempestades e neves destroem folhas e flores. Mas não podem coisa alguma contra a se-mente.

Você nasceu semente num terreno abençoado chamado Braszópolis. Com S e com Z pra não ficar dúvida do quê e de quem ando falando.

Floresça!

2 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente lindo!

Maria.A. M. disse...

Realmente lindo.

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