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8 de agosto de 2010

O ALPENDRE NA CURVA – Renato Lôbo

Minas tem alpendre. São Paulo tem varanda, mas Minas tem alpendre. Isso faz toda diferença! O alpendre é uma instituição mineira. Nem de longe uma varanda tem o charme de um alpendre. Numa varanda colocam-se cadeiras, sentam-se pessoas, trocam-se idéias. Num alpendre, coloca-se a alma, sentam-se personalidades, trocam-se vivências. O alpendre é quase um espaço sagrado.

Na curva da Antonio Pereira não era diferente. Aliás, nem um pouquinho! Toda tarde de do-mingo, minha mãe rejubilava-se em três solenes ocupações: lia a Bíblia, assistia Sílvio San-tos e fiscalizava a rua inteira, nos que fossem e que viessem – mas, observe – sem que nenhuma dessas funções atrapalhasse, contaminasse ou restringisse a outra. Sem dúvida a posição do alpendre, na curva de frente para a rua, fornecia a estratégia exata para o mais preciso posto de observação e coleta de informações.

Era dali que minha mãe contabilizava os almoços da Marta Rebelo no Bar do Jucabé e da-quela mesma inestimável visão ela podia averiguar qual dos lindos broches Marta ostentava naquele dia. Ah, porque Marta sem broches era o mesmo que goiabada sem queijo, minto, mês de agosto sem pipa no céu, minto, procissão sem repique de sino, não minto. Marta sem broches? Vê, lá, se pode!

Era dali que minha mãe, mesmo de costas, tinha na ponta da língua todas as entradas e saí-das do Nevinho e da Tereza e, se duvidasse, sabia até qual havia sido a féria das vendas de bilhete de loteria. Era dali que a Dita Broto, quando passava atarantada e não podia entrar, apenas tinha o tempo hábil de anunciar a quantas ia a sua “expressão alta”:
-Ô Don'Maria, o médico falou que tá 120... É que ele mediu no corpo inteiro!

E era dali também que minha mãe podia saber a quem o Zé da Água esperava na loja do Al-fredinho: se a Dita ou a Tereza. Cada qual a seu modo disputava o pretendente, ainda que ele, por sua vez, não disputasse ninguém.

E de passassem, era por ali que o Edésio, o Bambolê, o Oscar de Mesquita ou o Tião da Á-gua cortavam caminho. Mas, aí, era a vez de papai intervir. Papai era profundo conhecedor da língua falada pelos quatro, sobretudo, pelo último. Era impressionante como os dois con-versavam e conversavam, horas a fio, sem tradução nem tecla SAP. A tecla era o coração. E funcionava, ah, como funcionava!

-Passou por aqui, hoje, Chiquita Parteira. Aonde havéra de ir? - Perguntava minha mãe.

Aquela observação, só aquela, seria capaz de movimentar horas de conversa, a respeito de qual filha de quem estaria trazendo um filho a mais a este mundo: “vale de lágrimas”, no dizer de minha mãe, “paraíso encantado”, no afirmar de papai. É que cada qual enxerga a rea-lidade com a cor das lentes que traz aos olhos. E as de papai eram sensivelmente melhores, mais claras e mais bonitas.

Do outro lado da rua erguia-se o muro de pedras segurando o quintal do Gonzaga. Cada ni-cho das pedras se fazia abrigo de um ninho de andorinhas, e de cada um deles elas iam e vinham, e escutava-se o arrulho dos pais alimentando os filhotes, naquele eterno desabro-char da vida que renova a vida, para que os que ficam não fiquem só por ficar. No simples entrar e sair de andorinhas, repetia-se o festival da existência recriando o “vale-a-pena-viver”, com toda “sustança” que nele exista, com tudo o que a vida tem de bom.

-Boa tarde, Seu...! Boa tarde, Dona...!
Era o Caetano Mina de voz pausada e alma assentada em corpo já velho e um sorriso de dar laços à nuca e que não lhe cabia no rosto que tinha. Rosto cansado de olhar caído, é verda-de. Mas alma vivida e muita coisa pra contar. E com todo tempo do mundo. Porque o tempo era dele. E se o tempo era dele, o mundo, também era. Quem é dono do tempo é dono do mundo. Quem não tem pressa, tem vida. Quem sabe aonde vai, não precisa correr.

Minha mãe recebia a saudação do Caetano já de olho na estrada. É que atrás dele, sempre vinha outro. Mas o outro não cabe aqui, agora, porque, infelizmente, não sou Caetano Mina, não tenho aquela alma abençoada, não sou dono nem do meu tempo nem do meu mundo e o pouco que tenho dos dois, às vezes, não me dá nem pro gasto. Não sou Caetano Mina. Que pena para mim! Se fosse como ele, ah, eu também traria um sorriso de dar voltas à nunca.

Um comentário:

Anônimo disse...

QUANTAS SAUDADES DO ALPENDRE DE D. IDALINA. ALI PASSAVA ALGUM TEMPO CONVERSANDO COM ELA SOBRE NOSSAS FAMÍLIAS E COMO ERAM INTELIGENTES SEUS CONSELHOS. QUE BOM RENATINHO, MATAR UM POUCO ESSAS SAUDADES.....

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