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1 de julho de 2015

PÃES-DE-BATATA - Renato Lobo

Fevereiro de 1973 ficará para sempre retido na arca da memória. No meio daquele mês, por volta de uma da tarde, eu tomava o ônibus, em minha terra, com direção a outras terras. Na-quela mesma tarde, eu entrava no seminário para iniciar longa jornada de mais de dez anos. Eu tinha quatorze anos. Em 1973, ter quatorze anos não era a mesma coisa que hoje. Na-quela época, a gente brincava na rua e o mundo tinha as proporções, cores, cheiros e sons de um quarto de criança.

Apenas setenta quilômetros distanciavam uma cidade da outra. Mas, naquele dia, a impres-são era a mesma de ter viajado da Terra à Lua. Troquei de ônibus quatro vezes, e quando entrei pelo grande portão, a tarde e a infância haviam caído atrás de mim.

Nunca na vida experimentei tristeza tão grande! Sinceramente, nem espero nem acho que possa experimentar de novo. Metade de mim estava ali, onde queria estar para estudar e re-alizar o sonho de infância. A outra metade havia ficado na minha terra, e ainda corria pelo quintal de casa, entre pés-de-laranjeira, bananeiras, jabuticabeiras e os caminhos de terra que eu mesmo havia aberto. A metade que havia ficado em casa, com certeza, naquela hora, ainda estaria em cima da velha mangueira que já não dava mais mangas, mas que continuava, lá, em pé, com o respeito que se devia às velhas mangueiras de quintal pela dignidade que elas alcançaram.
Entrar pelo portão enorme de um prédio inacabado e feio não significava deixar para trás a melhor parte da vida. Significava deixar para trás a vida inteira. Subir escadas na direção do dormitório, em fila indiana e em silêncio, exigia começar a crer que o mundo da infância, na-quele lugar, nem cabia nem tinha lugar. Nunca na vida senti uma tristeza tão grande. Nem acho que um dia volte a sentir.

Dirigi-me à cama que me indicaram. O dormitório, como tudo, era enorme. Ou será que para mim é que era enorme e frio, e tão diferente da casa que deixara? Comecei a abrir as malas para colocar as coisas no lugar. Foi então que, ao abrir uma delas, um cheiro conhecido in-vadiu-me narinas e alma. Um cheiro da infância, do quintal, da mangueira, da cozinha da casa. Dentro da mala, embrulhados em papel de padaria, viajaram sete pães-de-batata que minha mãe havia feito, e que só ela, nesse mundo, sabia fazer.

Aquele aroma, naquele momento, trouxe-me a presença de alguém que, do mundo inteiro, me amava e cuidava de mim, nem que fosse à distância de setenta, extravagantemente, lon-gos quilômetros. Sentir aquele aroma da cozinha de casa num dormitório de piso frio e pare-des brancas foi como que renascer para uma outra vida. Havia uma outra vida, ela havia fi-cado no quintal da minha casa, e eu a poderia acessar, de perto ou de longe. Lá mesmo on-de ela havia ficado. Ou ali, onde ela se corporificava, outra vez, no aroma dos pães-de-batata. Aquele cheiro me reconciliou com a sorte da vida.

Nunca na vida conheci um consolo tão grande nem acho que vou conhecer.

Guardei e ainda guardo, como relíquia, o papel de padaria com o cheiro de casa. Guardarei para vida inteira a lembrança daquele dia. Muito mais que a lembrança de uma vivência, a-quilo é uma revivescência, quase uma celebração: a celebração dos sete pequenos pães-de-batata. Ainda hoje, quando fecho os olhos e penso naquele dia é como se ainda o mesmo aroma inundasse minha alma. Como se, depois de tanto tempo e tantos quilômetros rodados, alguma coisa ainda pudesse me garantir que o quintal continua lá e, lá ainda estão a mangueira e todos os pés-de-laranjeira, bananeira e os mesmos indeléveis caminhos abertos na terra.
Cresci, estudei, viajei, tornei-me o que era pra ser. Vivi. Sofri com os que sofrem. Alegrei-me com os que se alegram.

O tempo passou. Os tempos ficaram outros. Mas toda vez que me dirigia ao povo e dizia: Eis o mistério da fé! – a vontade mesma era de dizer: Eis os pães-de-batata que vieram de tão longe na mala de vocês! Sintam o aroma! Eles não lembram a casa de onde vocês vieram, não recordam algo mais que ainda são, mesmo depois de tamanha viagem? Apreciem o gosto! Não teriam eles um sabor de eternidade, de um outro pomar de onde nunca suportaríamos ter saído, a menos que alguma penhora nos garantisse a volta?

Saímos de casa. Cruzamos distâncias que não têm mais fim. Nem sempre felizes nem sem-pre amados. Mas sempre partindo. Porque partir faz parte. E faz parte do segredo para abrir a mala da vida. Do contrário, ela sempre ficará fechada a todas as maravilhosas experiências e à surpresa de todos os encontros que se abrem ao presente, modificam o futuro e revisam inteiramente o passado.

Se outra vez o gesto de abrir malas for repetido, e se encontrar nela o inaudito de um aroma conhecido de mãos que amassaram e fizeram o pão, saiba que é para que nunca, em lugar algum do mundo, você se esqueça de onde veio, se sinta só ou fique sem lugar na existên-cia.

Toda vez que partirmos aquele pão, seu aroma denunciará nossa saudade e seu gosto a-nunciará algo maior que nos antecede e nos espera. Eis o mistério da fé!
Já é tarde e queremos voltar. Temos saudade do eterno.
Alguém, por favor, comece a amassar os pães!

Renato Lôbo é psicanalista em SJ Campos

3 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente lindo, emocionante. Que texto belo! Quero crer que o autor desta extraordinária narrativa/passagem, muito comum a todos nos que ainda jovem descambamos por este mundo a fora atrás de sonhos, seja do Padre Renatinho. Se confirmado, gostaria que soubesse que por onde passou, modo especial aqui em São José dos Campos, espalhou o amor. Quantas lágrimas derramei emocionado em suas homílias. Certa feita, acho que tinha eu 26 anos, mais ou menos, acompanhei uma celebração da visitação de NOSSA SENHORA DE FÁTIMA a sjc, na Catedral de São Dimas. Naquele dia, Padre Renatinho me fez voltar aos 5 anos de idade quando chorei pela primeira vez em uma coroação de Nossa Senhora no bairro Araújos, capitaneada por Dona Ditinha, que hoje está novamente morando em Brazópolis. Em todos os prédios no entorno da Catedral, os devotos jogavam pétalas de rosas, papel picado. Em meio a forte e contundente emoção, Padre Renatinho narrava o cenário porquanto era entoada a mais bela musica do mundo: Mãezinha do Céu. Quando chorei da primeira vez,lá atras, com 5 anos, foi pela inocência da interpretação da letra, pois achava que minha mãe partiria em breve para céu, principalmente o trecho que diz" mãezinha eu quero te ver lá no céu". Me dava desespero. Já muitos anos depois, quando da referida visita da imagem de Nossa Senhora a são José dos Campos, chorei pelas belas palavras do Padre Rentinho, como também de saudades de minha Mãe, pois gostaria que estivesse ali, do meu lado, vivendo aquele momento único. Obrigado Renatinho.Lendo seu texto, vejo que depois de virar o mundo de cabeça para baixo, realizar e destruir tantos sonhos, voltamos ao ponto de partida e chegamos a conclusão de que o amor é sinônimo de singeleza, simplicidade. Está no pão-de-batata ou no cheiro do aconchego do abraço de Mamãe. Ainda neste final de semana, pude sentir este Prazer ao abraçar e beijar minha querida "mainha", minha flor,meu melhor perfume, meu amor.

Anônimo disse...

Ninguem te saco para ler estas babaquice. O mundo moderno está atraz de noticias, informaçoes edinamismo,este negocio de mostrar predios antigos, melodias e versos já era. isso é coisa de Brasopolis...para.

Anônimo disse...

Ao invés de responder ao cidadão acima, prefiro manter o sentimento de pena do coitado. Imagine este caboclo morando em PARIS, VENEZA, OURO PRETO, MARIANA, SÃO JOÃO DEL REI, PARATI, MADRI, BERLIN, LIVERPOOL, SALVADOR, RECIFE, MANAUS, LONDRES? teria suicidado. Pobre, miserável.

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