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3 de janeiro de 2011

A saudade dos presépios cheios de unção católica

Eis um artigo tocante sobre o Natal publicado num jornal que com freqüência vem carregado de notícias em sentido oposto:

MENINO, LÁ EM MINAS , eu tinha inveja dos católicos. Eu era protestante sem saber o que fosse isso. Sabia que, pelo Natal, a gente armava árvores com flocos de algodão imitando neve que não sabíamos o que fosse. Já os católicos faziam presépios.

Os pinheiros eram bonitos, mas não me comoviam como o presépio: uma estrela no céu, uma cabaninha na terra coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis e anjos numa mansa tranqüilidade, os campos iluminados com a glória de Deus, milhares de vagalumes acendendo e apagando suas luzes, tudo por causa de uma criancinha.

A contemplação de uma criancinha amansa o universo. O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança.

Até os católicos mais humildes faziam um presépio. As despidas salas de visita se transformavam em lugares sagrados.

As casas ficavam abertas para quem quisesse se juntar aos reis, pastores e bichos. E nós, meninos, pés descalços, peregrinávamos de casa em casa, para ver a mesma cena repetida e beijar a fita.

Nós fazíamos os nossos próprios presépios. Os preparativos começavam bem antes do Natal. Enchíamos latas vazias de goiabada com areia, e nelas semeávamos alpiste ou arroz. Logo os brotos verdes começavam a aparecer. O cenário do nascimento do Menino Jesus tinha de ser verdejante.

Sobre os brotos verdes espalhávamos bichinhos de celulóide. Naquele tempo ainda não havia plástico. Tigres, leões, bois, vacas, macacos, elefantes, girafas.

Sem saber, estávamos representando o sonho do profeta que anunciava o dia em que os leões haveriam de comer capim junto com os bois e as crianças haveriam de brincar com as serpentes venenosas.

A estrebaria, nós mesmos a fazíamos com bambus. E as figuras que faltavam, nós as completávamos artesanalmente com bonequinhos de argila.

Tinha também de haver um laguinho onde nadavam patos e cisnes, que se fazia com um pedaço de espelho quebrado. Não importava que os patos fossem maiores que os elefantes. No mundo mágico tudo é possível. Era uma cena "naïve". Um presépio verdadeiro tem de ser infantil.

E as figuras mais desproporcionais nessa cena tranqüila éramos nós mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos gostaríamos de estar dentro da cena. (Não é possível estar dentro da árvore!).

Éramos adoradores do Menino, juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores.

Será que essa estória aconteceu de verdade? Foi daquele jeito descrito pelas escrituras sagradas?

As crianças sabem que isso é irrelevante. Elas ouvem a estória e a estória acontece de novo. Não querem explicações. Não querem interpretações. A beleza da estória lhes basta.

O belo é verdadeiro. Os teólogos que fiquem longe do presépio. Suas interpretações complicam o mundo.

O presépio nos faz querer "voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Estamos encantados. Adivinhamos que somos de um outro mundo." (Octávio Paz )

Seria tão bom se os pais contassem essa estória para os seus filhos!"

Fonte: Folha de S.Paulo, 23.12.2008

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