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10 de outubro de 2013

“CENTRAL DO BRASIL” – Renato Lôbo


O mundo da infância vem sendo invadido por tudo quanto há de pior do mundo do adulto: drogas, crime, pedofilia, trabalho escravo. No filme “Central do Brasil” acontece o contrário: justamente, uma transformação de um mundo adulto ao contato com o mundo de uma criança. Dora é uma mulher sem escrúpulos, que vive de escrever cartas para nordestinos longe de suas famílias. Mas Dora não envia as cartas: ela as destrói e embolsa o dinheiro, cortando as relações, interceptando o contato entre aqueles que se amam. Torna-se assim a personificação da farsa e da mentira. Como o menino Josué vai dizer várias vezes: “Ela não vale nada”.
Josué, por sua vez, perde a mãe atropelada por um ônibus. Esse atropelamento é o próprio símbolo do atropelo humano e da violência da cidade grande. Na seqüência dos atropelos humanos, Dora vende Josué para “comprar uma TV nova, com controle remoto!” Vende-se uma criança, por nada, apenas pelo acesso ao prazer medíocre de um signo da cultura do prazer imediato e do consumo.
Irene, amiga de Dora, ao saber do acontecido, repudia sua ação e termina sua repreensão com uma única e arrebatadora frase: “Tudo tem limite!” Em vista disso, Dora consegue recuperar o menino e decide levá-lo ao Nordeste, para encontrar seu pai. E é aqui que começa a transformação. E foi para chegar aqui que eu contei a seqüência do filme.
Dora não sabe, mas é a si mesma que ela tenta reencontrar ao ajudar o menino a buscar o pai. Esse pai não aparece nunca. No entanto, é ele que move os personagens na direção de toda mudança subjetiva. No ônibus, Josué pergunta a Dora qual daqueles homens tem cara de pai. Em cada rosto masculino havia uma promessa. E a vida é feita dessas promessas. Quando elas não existem, tudo fica árido, vira deserto.
Mais à frente, os dois ficam sem dinheiro. E é do menino que parte a idéia dela voltar a escrever cartas. Só que dessa vez na direção inversa e para serem realmente enviadas. Há uma inversão do sentido, há uma restauração em andamento. No convívio com o menino, o adulto se havia humanizado. Dora se redime através de Josué e volta a ter algo da leveza e da alegria gratuita da criança, anterior ao endurecimento imposto pela vida.
A cena mais emblemática do filme é aquela que – em contraponto à imagem da Virgem com o Menino no colo – é Dora quem se deita no colo de Josué. O conforto não vem do adulto, mas da criança, com toda sua força redentora e criativa. É a criança paliando a dor de existir.
Aí, Dora já pensava em voltar com Josué para sua casa. Mas é aí que eles encontram os meio-irmãos dele. E Dora tem de partir, sozinha. E a separação é sofrida para ambos. Mas assim como Josué foi devolvido à sua história, naquele mesmo momento, Dora era devolvida a si mesma, aos seus sentimentos, ao seu passado, à sua própria infância. É a criança-menino quem conduz a adulta-mulher na travessia do percurso que vai do nada da vida ao tudo do amor.
No ônibus, de volta, sozinha, ele escreve uma carta para Josué. Ela chora e ri ao mesmo tempo. E o mais notável é que, então, pela primeira vez, ela não está mais escrevendo as palavras que os outros ditavam para ela escrever, mas são suas próprias palavras que ela põe no papel. E o que ela diz é muito simples. (Mas tudo o que conta na vida é muito simples.)
“No dia em que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada na fotinha que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça. Tenho saudades do meu pai. Tenho saudades de tudo... Dora.”
Josué devolveu Dora a si mesma e, no mesmo ato, separou-se dela. Ela teve de encontrá-lo para encontrar um rumo pra si mesma. Ela teve de perdê-lo, para encontrar-se a si mesma.
Não é sempre assim?

Um comentário:

Maria o. disse...

É Renato,linda essa estória,tem tudo a ver com o nosso povo:"Precisa encontrar a sí mesmo".Bom dia.

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