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3 de agosto de 2010

VELHAS LEMBRANÇAS - D. TITI NORONHA

"Velhas Lembranças" foi escrita por D. Benedita Noronha Lopes, a saudosa mestra Titi Noronha, quando já passava dos 90 anos de idade. Uma pessoa especial que nos surpreendia pela lucidez, inteligência e bondade.
Seriam tanta pureza e sabedoria frutos dos cem anos vividos, ou "D. Titi" foi sempre essa mulher maravilhosa que nos ensinou tanto a respeito da vida?
Quem a conheceu sabe que o passar dos anos aumentou ainda mais a sua capacidade de amar, de se doar e ser tão especial !




Era com verdadeiro prazer e interesse que eu ficava a escutar quando mamãe falava sobre o seu passado na fazenda, junto aos seus pais.
Era com muita emoção que se referia , não só às pessoas queridas, como aos escravos que viviam na fazenda do Campinho, onde eram tratados com amizade.
Quantas vezes curava os filhos dos escravos aplicando remédios em feridas. Era com lágrimas que fazia o serviço, principalmente quando o seu "paciente” sentia dores. Conheci bem um dos seus prediletos, o Paulino, preto bondoso e amigo.
Lembro também da Marcelina, filha da escrava Ana que foi a companheira fiel de mamãe desde que se casou.
Mamãe não tinha muito o que contar de sua infância pois não contava ainda 15 anos quando se casou.
Sei que papai era parente dos Nogueiras, donos de uma fazenda em Candelária e vinha com alguns rapazes passando pela fazenda dos meus avós, no Campinho, conheceu mamãe. Ficaram noivos e poucos meses depois casaram-se e foram morar na Fazenda dos Nogueiras, em Candelária. Pouco tempo depois foram residir no Campinho, perto dos meus avós.
Quase dois anos depois que se casaram, nasceu a pequena Maria José. A menina era a alegria de todos. Mas aos 4 anos contraiu uma moléstia na garganta. Vários médicos vieram de Itajubá, operaram-na mas ela não resistir e morreu.
Dois anos depois nasceu João. Parecia forte, mas aos 3 anos teve uma moléstia muito séria no coração tendo que fazer um longo tratamento.
Depois do João nasceu o Zéca. Foi uma criança forte e alegre.
Dois anos depois, nasceu Agenor. Não deu cuidados.
Sebastião foi o 5º filho. Sofreu desde que nasceu. Chorava muito e só viveu 6 meses.
Eu nasci 1 ano depois, em 1891.
Em 1893, em fevereiro, veio ao mundo outra Maria que teve o apelido de Cotinha. Menina robusta, bonita, de olhos muito pretos. Meus avós já haviam falecido.

Nossa vinda para a Povoação de São Caetano:
Meus pais resolveram vender as terras e a casa que tinham no Campinho e vieram para a povoação.
Foi alugada uma casa no Bairro da Aparecida, em frente à Capelinha antiga de N. S. Aparecida.
Logo que chegamos meus pais lutaram muito com doenças graves. Todos nós tivemos sarampo e houve complicações. Mamãe teve pneumonia e João ficou pior do mal que sofria. Nosso médico ficou desanimado, mas veio várias vezes de Itajubá para ver-nos e tudo fez para seus doentes e venceu. Lembro-me dos nomes de dois médicos: Dr. Malvio e Dr. Lisboa. Não havia vidraça nos quartos antigamente e diziam que com o sarampo era perigoso o vento, ele podia recolher. Alguns meses depois fomos de mudança para Conceição dos Ouros onde papai abriu uma pequena loja. Nossa casa ficava na rua principal do lugar e pertencia a um senhor chamado José Veríssimo, lembro-me bem.
Nessa casa nasceu meu irmão Joaquim que faleceu aos 6 meses.
Meus pais fizeram amizade com todos do lugar, principalmente vizinhos, que eram muitos.
Meus irmãos começaram logo a freqüentar a escola e também eu fui matriculada aos 6 anos incompletos.
Minha primeira professora foi D. Brasilina. Primeiro livro que li foi " 1º livro de Felisberto Carvalho".
Minha professora do segundo ano foi D. Mariquinha. O marido era professor também. Meu livro no segundo ano foi " 2º livro do “Barão de Macaubas".
Nesse ano já havíamos transferido residência para uma casa em frente à Escola, pois Papai já havia fechado a loja e não precisava mais da casa onde morávamos antes.
Papai teve de tratar de outros negócios e viajou.
Uma senhora bondosa, amiga de Mamãe, tomava conta do aluguel de uma grande casa de um parente, o Capitão Tito e insistiu que fôssemos morar lá, pois estava desocupada. Nesta casa nasceu o Quinzinho.
Como ficamos contentes quando entramos no casarão, relativamente rico. Haviam salas enormes, quatro quartos muito grandes. A cozinha possuía dois fogões, dois quartos para despensa. Na sala de visitas havia quadros bonitos e mesinha. Ligado à casa havia vários cômodos fechados, com portas independentes para a rua. Em frente à casa estendia-se um capinzal até um matagal.
Essa casa ficava na saída para a fazenda de um compadre e amigo de meus pais, Félix Martins. O quintal , muito grande, terminava à beira de um ribeirão.
Tínhamos uma casa vizinha apenas. Moravam Maria Senhorinha e filhos.


Lembranças mais vivas da época em que aí morávamos:
_O João tirando notas (talvez as primeiras que eu ouvia) no bombardine.
_Quinzinho com cólica, chorando muito nos braços de uma amiga de mamãe. Devia estar com dois ou três meses
_Meses depois, estávamos na sala de jantar, eu sentada na rede com Quinzinho e ele quis apanhar uma tesoura no chão, bem distante. Foi engatinhando rapidamente como se estivesse acostumado. A surpresa foi muito grande para todos nós.
_Lembro-me de umas brincadeiras do João com um amigo de Paraisópolis que estava em casa.
Costumava Mamãe rezar o terço conosco desde que papai estava de viajem.
Vivia preocupada, sem notícias, mas sempre com esperança que voltasse a qualquer hora.
Uma noite escura, chovendo torrencialmente, bateram à porta.
Mamãe saiu correndo certa de que só poderia ser papai àquela hora.
Era a vizinha que ali fora procurar um remédio para o filho.
Coitada, ficou até assustada quando nos viu chorando, mamãe principalmente.
Tio Randolfinho soube das dificuldades com que mamãe lutava, mandou-nos buscar para passar uma temporada em Pouso Alegre.
Foi uma grande alegria a chegada de Pedrinho, encarregado de nos levar.

Lembro-me da bondade com que fomos tratados por todos em Pouso Alegre.
Tia Biela, Tio Randolfinho, assim como o Pedrinho, foram boníssimos e jamais me esquecerei.
Não sei quanto tempo ficamos em Pouso Alegre, mas quando papai chegou ficamos sabendo como sofreu doente em uma cidade de São Paulo, sem recursos, quase em desespero quando um senhor muito bom e religioso ajudou-o, principalmente incutindo-lhe coragem e confiança em Deus. Deu-lhe um livro, Imitação de Cristo, que foi sempre guardado com muito carinho.
Poucos meses depois voltamos para nossa terra, lembrando-nos com gratidão do povo bom e amigo de conceição dos Ouros. Corria o ano de 1898 quando chegamos.
Depois de alguns dias passados em casa de meus tios Tonó e Candola, onde recebemos prova de grande amizade e carinho, fomos morar em uma casa ainda nova, pintada de azul e branco situada na rua da Aparecida. Fomos matriculadas, eu e minha irmãzinha Cotinha, na Escola de D. Eulália Schumann.
Minha irmã parecia forte, com pouco mais de 6 anos, ficou doente e logo faleceu.
Alguns meses depois passamos a residir na rua 15 de Novembro.
Passei a freqüentar a Escola de D .Mariquinha Saldanha, minha prima, em uma casa pequena no lugar em que se construiu o edifício do Fórum.
Pouco depois a professora passou a morar em uma casa onde mora a família da Iracema Negrão.
Nossa classe, assim como a do professor Diogenes foram para um casarão onde funcionou também o Grupo Escolar antes da construção do Prédio do Grupo Escolar Cel. Francisco Braz.
Todos nós estávamos muito contentes na nova residência. Ficava próxima à Matriz. Tínhamos vizinhos muito amigos e colegas de classe.
Os quintais de nossa casa e a do seu Alfredo Viana e Maria Luiza ficaram logo sem a cerca que os separava.
Como brincávamos então!
Quando havia luar reuníamos, Yaya, pouco menor que eu e as crianças vizinhas nas proximidades do coqueiro e brincávamos a valer.
Vivemos felizes algum tempo. Papai cuidava de vários serviços e tinha em casa uma pequena fabricação de cigarros. Algumas mocinhas trabalhavam aliEm fevereiro de 1900 nasceu meu irmão Alfredo. Papai começou, nessa ocasião a cuidar de plantações de arroz e fomos para uma casa bem inferior, mas pouco distante daquela em que morávamos.
Ali a luta de meus pais foi grande, não só quanto à falta de recursos como a falta de saúde, principalmente do Alfredo. Começou a sofrer da vista e de reumatismo. Um especialista de vista disse que ele ficaria cego mais tarde. Graças a Deus melhorou da vista e só ficou com o reumatismo até 4 anos.
Pouco tempo depois fomos morar em uma casa situada no alto de um morro, ao lado da estrada que vai para Luminosa. Nenhum vizinho. A casa tinha uma sala, dois quartinhos, um maior e a cozinha, que dava para um terreiro plano, separado de um grande pasto por um portãozinho. Era um morro cheio de enormes caneleiras e outras espécies de árvores e pássaros por toda a parte. Do portão saía um caminho que cortava o morro até o córrego que deslizava paralelo à estrada. Como era difícil carregar água dali até ao alto.
Meus pais e irmãos trabalhavam demais.
Eu fazia pouco serviço porque vivia carregando meu irmão Alfredo. Não podia andar, sentia dores, mas era gordo e já estava com mais de dois anos.
Depois nasceu Eugênio e morreu com três dias. Era uma crianças bonita, gorda. Foi em junho e o frio era intenso. Mamãe passou com ele nos braços uma noite e depois ela teve pneumonia. Quase morreu. Depois conseguiu se restabelecer e tivemos uma temporada mais feliz.
Papai e meus irmãos conseguiram bom resultado na colheita de arroz e ficaram mais animados.
Mamãe era admirável com a sua paciência, coragem de viver. Muito amorosa e sensível, lutando sempre para que não sofrêssemos muitas faltas. Tinha ainda ânimo e alegria para sair conosco em visitas aos amigos, à igreja, etc.
Gostava de diversões, circo e outras que apareciam.
Minha mãe cumpriu a sua missão de maneira admirável pois, além de sua paciência, resignação e coragem no trabalho, sabia ser alegre para nos fazer felizes.
No entanto, muitas vezes, eu a via chorar enquanto costurava à noite, à luz da lamparina!
Era sempre uma toada triste que me ficou sempre na lembrança!
Em l904 passamos a residir num casarão cor de Rosa na R. Antonio Pereira Rosa.
Para mim foi uma coisa extraordinária a mudança. Havia parentes e amigos na mesma rua e ficava perto da igreja.
Em l905 nasceu naquela casa minha irmã Lourdes. Eu cuidava dela, pois mamãe tinha sempre, muito trabalho. A luta era a mesma para meu pai e meus irmãos. Mesmo os dois menores, Alfredo e principalmente o Quinzinho já ajudavam vendendo doces que a mamãe fazia.
Havia na cozinha um grande forno e o Zéca contratou um padeiro para trabalhar. Não me lembro quanto tempo durou, mas não me esqueço de algumas rosquinhas que eram fabricadas.
O Zéca resolveu depois, ir para Pouso Alegre aprender a arte fotográfica. O João foi para o estado de São Paulo trabalhar em uma fazenda, mas voltou logo.
Para mim , uma das coisas boas acontecidas naquela época foi a chegada da Companhia Dramática de Santos Lima. O João era músico e por isso não tínhamos que pagar entrada e Mamãe estava sempre animada para ir, mesmo depois de um dia atarefado. Como eu gostava dos dramas e comédias que levavam! Era uma verdadeira felicidade estar ali...
Em 1907 passamos por um grande sofrimento. Minha irmã Lurdes, depois de muitos dias de sofrimento faleceu.
Em 1908 nasceu o meu irmão Antonio. O Zéca já havia se casado e trabalhava com fotografias. O Agenor trabalhava no comércio e o Papai no mercado.
O Quinzinho e mais alguns coroinhas tinham aulas particulares com o pai de D. Assis, vigário de nossa terra.
Um dia, apareceu em casa uma preta muito religiosa. Ela era zeladora do Apostolado. "Tia Venância" como era chamada, foi contar aos meus pais que D. Assis havia escolhido, entre os coroinhas, um menino muito piedoso, aplicado e bom, para estudar no Seminário de Pouso Alegre: Era o Quinzinho.
Entretanto, o seu desejo era mandar um menino mais pobre e nossa família parecia ter recursos, pois ele andava sempre bem vestido e calçado. Pediu-lhe opinião. Ela bem nos conhecia e pôde afirmar que éramos bem pobres. O Quinzinho também trabalhava para ajudar nas despesas de casa vendendo doces que a mamãe fazia. Era muito cuidadoso com as roupas e calçados, embora bem usados e modestos.
D. Assis falou com os meus a respeito de meu irmão e poucos meses depois ele foi para o Seminário.
Muita falta sentimos e ele, apesar de se sentir feliz por ter sido o escolhido, não ocultava a tristeza que sentia com a separação...Eu, meu irmão Zéca o acompanhamos até Pouso Alegre.
Lembro-me bem da sua alegria quando veio, pela primeira vez, para casa e abraçou a todos!
Era muito amoroso e dedicado à família. Muito calado, nunca se queixava, mas demonstrava a tristeza que sentia ao sair de casa...
Poucos meses depois, o Sr. João Gonçalves, muito amigo de Papai, ofereceu a sua casa na cidade, na rua Silvestre Ferraz para morarmos.
Quando nos mudamos para aquele sobrado eu estava com uns doze anos.
Lá, tive dias risonhos e bons que me ficaram sempre na lembrança.
Nossa vida na rua Silvestre Ferraz foi menos trabalhosa. Tivemos mais conforto e tranqüilidade. Papai trabalhava como fiscal no Mercado, o João tinha emprego e o Agenor também.
O Alfredo, depois de concluir o curso primário, foi trabalhar na estrada de ferro.
Papai arranjou uns pensionistas e assim a vida ia correndo mais ou menos tranqüila. Mamãe sempre trabalhava, costurava, mas tinha empregada. Antonio era pequeno e eu continuava a minha vida de babá, mas foi por pouco tempo, pois papai conseguiu do Cel Braz uma carta ao Diretor da Escola Normal de Silvestre Ferraz um lugar grátis.
Houve uma lei que favoreceu muito as alunas do curso normal: três anos apenas para quem tinha o primário.
Lutei bem durante os estudos, sentia dificuldades em matérias novas para mim, porém, a dedicação de Seu Plínio Mota, tia Nhazinha que me dava aulas de francês e de outros professoras deram-me coragem e cheguei ao fim.
Tive a felicidade de ficar em casa de parentes que foram boníssimos.
Voltando do Silvestre Ferraz comecei logo a trabalhar no Grupo substituindo professores. Só Deus sabe como lutei no começo!
Felizmente, depois de dois anos assim, tomei uma classe só de meninas de 2º ano. Havia sido nomeada adjunta interina. Daí por diante tinha a minha classe e dois anos depois passei a professora efetiva.
Papai, depois de uma moléstia que o levou para a cama, paralisado, estava bom. Mamãe costumava ir, de vez em quando à Pouso Alegre, ver o Quinzinho. Com que alegria preparava os doces para ele!
Sempre íamos ao cinema. Mamãe gostava muito dos filmes daquele tempo e da orquestra também.
Papai tinha emprego no mercado e viajava também a negócios.
Nossa casa era muito freqüentada pelos parentes e amigas da mamãe, pelas minhas amigas, e à hora das refeições os pensionistas que foram diversos: Zéca Pereira, Tomazinho, A Costa, Afonso brito, Sílvio, Carlos, Modesto, Vicente, Aristides Tescitore B. Rocha, Cândido, um médico da Estrada e muitos outros.
Tínhamos também bons vizinhos e amigos naquela rua.
Maria Rosa foi sempre amiga, principalmente, quando fiquei noiva era a companheira para o cinema , passeios, etc.
Tive tempos felizes também como nas outras casas em que moramos. Depois do nosso casamento ficamos com minha família por 4 meses.
Hoje, a casa está reformada, tudo está diferente, mas ao passar por aquela rua, vejo-a como era antigamente e custa-me conter as lágrimas de saudades de tantos entes queridos.

2 comentários:

Antonio A. disse...

Esta foi uma das melhores pessoas que conheci em minha vida... saudades

M. Célia Guimarães Sandi disse...

Achei lindo o artigo de Da. Titi; quando criança minha avó costumava visitá-la, dizia que eram parentes, Rebelo talvez, e costumava ir junto com ela. Quando Da. Titi vinha ao Hospital para consultar, encontrava-me com ela, e lembrava-mos dos passeios que fazíamos na Casa Paroquial e em sua casa, aos domingos. Sempre a admirei, era muito amiga dos meus pais, e seus filhos sempre foram nossos amigos.

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