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6 de agosto de 2010

Coleta e Mileta – Renato Lôbo

As coisas não são como são, mas como são lembradas.

E se me lembro delas, eram duas. Uma se chamava Coleta e a outra, Mileta. Já não lembro se eram irmãs ou filha e mãe. Se escolho a última alternativa é porque a primeira era cha-mada de Dona Coleta e a outra era só Mileta. Aliás, Miletinha.

Quis o destino que Miletinha se casasse com Esmeraldo, o irmão mais novo de tio Amarildo. Tio Amarildo era “tio Amarildo”. Já Esmeraldo era só Esmeraldo. Não carregava nem o status nem as insignias de tio. Mas também, pudera! Vagabundo, que só vendo: não valia o feijão que comia! Mesmo assim, foi lá, casou-se, e reclamou quando teve de levar Dona Coleta junto. Que, viúva, só andava em preto de bolinha branca. E acho que isso também me fez crendo que eram mãe e filha.

Sendo assim, Miletinha casou-se.

Durante a cerimônia, veio padre de fora, Cônego Baboso, grande, gordo, de óculos de fundo de garrafa, capa de asperge, pluvial, dedo amarelo de cigarro e grande eloqüência. Dado o início da cerimônia, perguntou, solene:
- É de livre e espontânea vontade que vocês contraem matrimônio?
Houve um ah!, acompanhado de risinhos.
- Havendo alguém que saiba de algo que torne esse casamento nulo ou ilícito, que fale agora ou cale-se para sempre, sob pena de pecado mortal.
Outro ah! e mais risinhos. Era só o que faltava: alguém terminar o casório ali e estragar a fes-ta!

- Você, Esmeraldo, aceita Mileta por sua mulher..?
- E você, Mileta, aceita Esmeraldo por seu marido..? Até que a morte os separe?
Silêncio total. Quase um susto. (E a festa?)
- Então, diante da Santa Madre Igreja, eu os declaro marido e mulher.
E estavam casados. Respiro geral de tranquilidade.

E é o que eu sempre falo: estão vendo como é fácil casar? E ainda tem gente que diz que não consegue! Matrimônio é uma coisa que se contrai. Igual... igual a qualquer coisa que se contraia. A gente vai lá e pega. Digo, a gente vai lá e contrai, diante do padre, com pompa e sem circunstância. A circunstância vem depois.

Mas antes, veste roupa nova, corta cabelo, enfeita a igreja, se enfeita inteiro, manda convite, faz festa, corta o bolo com noivinho em cima, diz o “sim” na hora do “sim”, chora na hora da Ave Maria, troca aliança, toca corneta pra noiva entrar, toma banho, passa perfume, fecha porta, abre porta, abre porta, fecha porta, sai de viagem em lua-de-mel, a noiva chora, joga o buquê, as moças correm para pegar, todo mundo olha pra trás para ver a noiva entrar e, quando ela entra, parece que o tempo pára, e as daminhas petaleiras fazem todo mundo a-char que nunca havia visto coisa igual, e todo mundo faz de conta que nunca viu aquilo an-tes... É tudo assim. Não necessariamente nessa ordem. Mas tudo assim. A ordem dos fatores não desqualifica o produto. E é como sempre falo: casar é fácil. E ainda tem gente que diz que não consegue!

Esmeraldo estava feliz. E tio Amarildo, irmão e padrinho sempre sério, com tia Ordália, a tira-colo. Essa, sim, risonha e cumprimentadeira, em vestido longo ton-sur-ton verde a verde, ia logo atrás dos noivos, saudando quem passasse, mais noiva que a própria noiva. Minha mãe nem dessa vez deixou de observar que tia Ordália era tão vistosa que nem parecia mulher casada!

A festa foi boa. Os noivos viajaram a Poços. Todo mundo ficou feliz.

Só papai, mais tarde, virou-se para minha mãe e profetizou:
- Num dou dois anos.
Minha mãe, sempre muito brava, voltou-se e falou:
-Você já falou isso de tanta gente!
E ele:
-É. Eu sei... E não andei errando muito.

E não foi dessa vez que errou. Depois de dez anos de namoro, cinco de noivado e mais cinco de espera para casa ficar pronta – não durou um ano – Miletinha não agüentou a pasmaceira do Esmeraldo e mandou ele passear. E ele foi.

Tem coisas que a gente precisa pensar antes de fazer, parar antes de pensar e, se possível, nem pensar. Aquela ali era uma delas. Lembro-me, como se fosse hoje, da frase de Monse-nhor, que toda paróquia tinha dois problemas: matrimônio e patrimônio? Pois é. Miletinha e Esmeraldo tinham os dois.

E, olha, que nem paróquia eram!

Um comentário:

Fátima Noronha disse...

Delícia ler e relembrar. Parabéns Renato!

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