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3 de novembro de 2010

PARA UM DIA 2 QUALQUER – Renato Lôbo

A gente nasce, cheio de gente, do lado de fora. Mas nasce sozinho por dentro.

Quando a gente chega, existem bisavôs e bisavós, avós e avôs, pai e mãe, tias e tios de montão, primos, nem se fale, então! Muita gente do lado de fora. E a gente, lá dentro, sozinho de tudo, sem nada e ninguém. Nem mesmo a gente vivia dentro da gente. É que gente precisa de gente pra virar gente. E enquanto houver muita gente do lado de fora, mas nenhuma gente do lado de dentro, a gente ainda não pode dizer que é gente. E só um projeto de gente. O que já é alguma coisa, em se tratando de gente! Mas não é tudo.

A verdade é essa. A gente nasce, cheio de gente, do lado de fora. Mas sozinho do lado de dentro.

Pouco a pouco, dia a dia, mês a mês, quem havia nascido sozinho do lado de dentro, começa a ver que há gente do lado de fora. Muita gente! E vê mais. Vê que toda aquela gente do lado de fora, só está do lado de fora por uma razão e por um só momento: está esperando a hora de passar para o lado de dentro.

E assim vai sendo. Pouco a pouco, dia a dia, mês a mês, quem estava sozinho do lado de fora, começa a fazer companhia a quem chegou, também sozinho, do lado de dentro. E quem estava sozinho do lado de dentro, sozinho, não fica mais. E quem estava sozinho do lado de fora, sozinho, não mais está. Fazendo companhia um ao outro, quem estava sozinho dos dois lados pôde ver que não havia sido feito pra ficar sozinho, em lado nenhum e de lado algum. E assim vai sendo.

Os anos se passam e já não é mais tão clara a fronteira entre quem estava sozinho do lado de dentro e quem ainda continua sozinho do lado de fora. A fronteira existe, é claro! O que não é tão claro é onde ela começa e onde termina, se do lado de dentro ou do lado de fora. Porque ficou tão bom ficar com quem estava do lado de dentro, sozinho! E ficou tão bom estar com quem estava do lado de fora, sozinho! Tão bom, que a gente já passa de um lado pro outro pulando sobre as pontes, brincando sobre os montes, rindo-se das portas, que já não se fecham mais. Pontes existem, montes existem, portas existem. Ninguém tirou nada do lugar onde estava. No entanto, ficou mais fácil, para quem estava dos dois lados, passar de um lado pro outro. Tão fácil, que a gente passa e já nem vê mais, quando, como ou com quem passou. Só vê que passou. E assim vai sendo. E os anos passam e as fronteiras, também.

Chega um dia, e a gente se dá conta de que, quem, no começo, ficava do lado de fora, passou para o lado de dentro da gente. Chega um dia, que a gente se vê sozinho, de novo. Mas é só quando resolve sair pro lado de fora. Quem estava lá, já não está mais. Quem ficava lá, à nossa espera, já não nos espera mais. Quem chamava pelo nosso nome e tocava nossa mão, nem chama nem toca mais. Pelo menos, não mais lá, do lado de fora.

Pra onde foi? Por que nos deixou? Não sabemos. O que sabemos é que, agora, quando queremos nos encontrar com quem quer que seja, de novo, não cruzaremos mais a fronteira onde antes havia pontes, montes, portas e rios. Não mais. Pra encontrar, agora, quem antes era tão fácil de achar, aquela porta terá de ser fechada, por dentro. E só, lá então, lá dentro, ficar a sós. Mas não mais sozinhos. Pois é. Assim vai sendo. E assim se vai.

O dia chega. E a gente que, nasceu cheio de gente do lado de fora, na hora de des-nascer, já não vê mais ninguém dos que ali estavam quando a gente se fez gente e por aqui chegou. Um a um, eles se foram indo, embora. Uns disseram adeus, outros sequer se despediram. Uns demoraram pra ir, outros saíram tão cedo que quase não fecharam a porta. Uns deixaram marcas, profundas, sulcadas, aradas, à espera da semente, que nem sempre veio. Alguns não deixaram marca alguma de que se pudesse dizer que por ali passou alguém. Como pode? Como é que assim vai sendo e assim se vai?

Rostos, vozes, conversas, abraços, encontros, desencontros, palavras, gestos, acenos, cortes, cicatrizes... O mandrião do batismo, amarelado do branco, num canto. O vestido de noiva, embotado, de bege, no outro. As fotos, as fotos e as fotos. Onde é que ficou aquela do bolo? Que bolo? Que festa? Que gente? Foram tantas e tão inesquecíveis, que, no fim, até mesmo a gente esqueceu.

Um a um, eles se foram indo. E a gente ficou. Tão sozinho ou mais do que quando chegou.

Não ouvimos mais o barulho das cascatas, que anunciavam a proximidade das fronteiras invisíveis do outro. As portas se fecharam, as pontes caíram, as casas ruíram. Agora, só ouvimos vozes. Elas cantam, elas contam, elas choram, elas riem. Os rostos das vozes, aos poucos e ao longe, viraram fumaça e fumaça azul. Só ficaram as vozes. Que ainda conversam, e como conversam! Quase não há mais ninguém dos que aqui estavam quando a gente chegou. Mas é só do lado de fora que não há ninguém. Do lado de dentro, estão todos aqui. Todos. Todos aqui. As portas se fecham do lado de fora, mas é só para guardar quem ficou do lado de dentro.

Sempre imaginei que voltar pra “lá” não deve ser nada complicado, como dizem. Imagino que não deva haver perguntas nem questionários: se você fez isso, aquilo ou se deixou de fazer? Que importa, agora? No fim das contas, o que é que, agora, importa?

Se houver uma pergunta, uma só, a única que realmente gere interesse, então, alguém a fará. E ela será mais ou menos essa: Quem veio junto com você? Melhor ainda: Quem veio dentro de você? Se a desgraçada resposta for: Ninguém, meu Alguém, ninguém! Então, triste, aquele Alguém nos apontará uma tapera de beira de estrada e dirá: Para quem não trouxe ninguém e é tão vazio de alguém, qualquer coisa serve. Aquela tapera ali!

Mas, se ao contrário, a resposta feliz for outra, e se possível se disser: Tanta gente, meu Alguém, tantos, que nem sei contar! Então, com outra expressão, Alguém nos apontará uma casa enorme, olhará com respeito os anjos à volta, e dirá: Quem trouxe tanta gente dentro de si, quem viveu com tanta gente, na certa, precisará de uma casa bem grande! Não acham? E os anjos à volta irão concordar, ah, como irão!

Quem nasce cheio de gente, do lado de fora, e des-nasce ainda mais cheio, do lado de dentro, na certa, fez por valer a estadia.

4 comentários:

Nilda Oliveira Reis disse...

Renato espero um dia estar junto de vc do lado de lá , naquela casa enorme, que com toda certeza nos será reservada e sempre com mais gente...
Abraços Nilda

Anônimo disse...

Nilda, imagine se o Zé, o papai e a tiadalina estiverem lá... Que conversa boa! Obrigado pelo carinho. - Renato Lôbo

Fernanda disse...

Oi Renatinho: se por acaso vc passar antes para o lado de lá e encontrar com a Da. Elisa e a Teresa Moraes diga a elas que logo estaremos juntas do lado de lá, pq estamos sozinhas do lado de cá. rsrsrs

Anônimo disse...

Ô Fernandinha, pode deixar que eu levo o recado. - Renato Lôbo

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